sexta-feira, 14 de abril de 2017


JUSTIÇA

 

Este episódio aconteceu, há tempos,

E está guardado na memória

De quantos compartilham desta história.

 

Um condenado à morte pela forca

Acusado de um crime,

Sem proteção a que se arrime,

Tudo aceitou sem reclamar.

 

A hora da execução chegara, enfim...

Muita gente na praça se adensava

No intuito de aplaudir

A presença da morte, em estranho festim.

Explodiam na tarde clara e quente

Estas palavras de clamor:

- “ Morte ao bandido!... Morte ao matador!...”

O prisioneiro chega e encontra o sacerdote

Que o seguirá na cena derradeira...

Em torno, a multidão

Gritava rumorosa e galhofeira...

Mas entre o padre e o réu se estabelece

A conversa ligeira

Que o povo crê, no fundo, condensar

O amparo de um conselho e a benção de uma prece

Que o ministro de Deus promove com pesar.

- “ Filho – diz o pastor – sei que estais inocente,

Posso agora dizer a verdade,

Questão de consciência e lealdade

Que preciso estender a toda gente...”

 

- “Padre, como sabeis?”

- Interrogou ansioso o réu aflito –

“Se estou no fim, segundo as nossa leis?”

 

O sacerdote amigo

Aconchegou-se mais ao penitente

E lhe falou, paternalmente:

- “Na semana passada,

Ouvi a confissão inesperada

Do homicida infeliz...

Ele morreu comigo, após contar-me

Calculando as palavras, uma a uma,

Que não tendes culpa alguma...

No derradeiro alento,

Cansado de remorso e sofrimento,

...Há palavras

que são flores,

outras recordam

espinhos...

Pediu-me vos livrasse, ante as autoridades,

Documentadamente,

Porquanto, ele somente

É o responsável pelo crime

Que vos foi imputado injustamente,

E devo executar-lhe as últimas vontades”.

No entanto, o sentenciado

Estampando na face uma expressão de horror,

Disse, em tom abafado:

- “Padre amigo,

Nesse crime, não fui o matador;

Quanto a isto, já sei,

Mas deixai que se cumpra a exigência da lei”.

E, fitando o pastor, de modo inesquecível,

Rematou, afinal:

- “ A justiça é de Deus e o remorso é terrível...

Recordai vosso irmão assassinado,

Há quase cinco anos,

Por entre espancamentos desumanos?

O rapaz despojado

Da fortuna de um banco que trazia?

Aquele vosso irmão que amáveis tanto,

Pelo qual vossa mãe morreu de saudade e de pranto,

Cuja morte no mundo

Permanece envolvida em mistério profundo?

 

O sacerdote ouvira, trêmulo e assombrado

Mas nada respondeu...

Após comprida pausa, disse o condenado:

- “O assassino fui eu...

Não me livreis da forca a me entrego,

Já não agüento mais a culpa que carrego...”

Pálido, o sacerdote

Exclamou, fatigado:

- “Para mim, já não sois o sentenciado,

Sois também nosso irmão,

Mereceis nosso amor,

Em nome do Senhor,

Estais vós perdoado...”

 

Mas, nisso, a multidão

Crendo haver terminado aquele entendimento,

Que lembrava um dialogo discreto,

Avançou sobre o preso, em tumulto completo...

Não houve qualquer tempo

Para maior explicação.

Aos gritos delirantes

De “morte ao matador”,

Sob a guarda robusta

Que tomara feitio protetor,

O infeliz a tremer, triste e descalço,

Subiu ao cadafalso...

 

Alguns momentos mais,

E o corpo entremostrando angústia indefinida,

Balançava sem vida.

E, na turba, a gritar, perante a horrível cena,

Entre vaias finais e assovios plebeus,

O sacerdote em pranto,

Sem que o povo lhe ouvisse a palavra serena,

Murmurava, sozinho, em pequeno recanto:

- “A justiça é de Deus... A justiça é de Deus...”

Maria Dolores

Nenhum comentário:

Postar um comentário