JUSTIÇA
Este episódio
aconteceu, há tempos,
E está guardado
na memória
De quantos
compartilham desta história.
Um condenado à
morte pela forca
Acusado de um
crime,
Sem proteção a
que se arrime,
Tudo aceitou sem
reclamar.
A hora da
execução chegara, enfim...
Muita gente na
praça se adensava
No intuito de
aplaudir
A presença da
morte, em estranho festim.
Explodiam na
tarde clara e quente
Estas palavras
de clamor:
- “ Morte ao
bandido!... Morte ao matador!...”
O prisioneiro
chega e encontra o sacerdote
Que o seguirá na
cena derradeira...
Em torno, a
multidão
Gritava rumorosa
e galhofeira...
Mas entre o
padre e o réu se estabelece
A conversa
ligeira
Que o povo crê,
no fundo, condensar
O amparo de um
conselho e a benção de uma prece
Que o ministro
de Deus promove com pesar.
- “ Filho – diz
o pastor – sei que estais inocente,
Posso agora
dizer a verdade,
Questão de
consciência e lealdade
Que preciso
estender a toda gente...”
- “Padre, como
sabeis?”
- Interrogou
ansioso o réu aflito –
“Se estou no
fim, segundo as nossa leis?”
O sacerdote
amigo
Aconchegou-se
mais ao penitente
E lhe falou,
paternalmente:
- “Na semana
passada,
Ouvi a confissão
inesperada
Do homicida
infeliz...
Ele morreu
comigo, após contar-me
Calculando as
palavras, uma a uma,
Que não tendes
culpa alguma...
No derradeiro
alento,
Cansado de
remorso e sofrimento,
...Há
palavras
que
são flores,
outras
recordam
espinhos...
Pediu-me vos
livrasse, ante as autoridades,
Documentadamente,
Porquanto, ele
somente
É o responsável
pelo crime
Que vos foi
imputado injustamente,
E devo
executar-lhe as últimas vontades”.
No entanto, o
sentenciado
Estampando na
face uma expressão de horror,
Disse, em tom
abafado:
- “Padre amigo,
Nesse crime, não
fui o matador;
Quanto a isto,
já sei,
Mas deixai que
se cumpra a exigência da lei”.
E, fitando o
pastor, de modo inesquecível,
Rematou, afinal:
- “ A justiça é
de Deus e o remorso é terrível...
Recordai vosso
irmão assassinado,
Há quase cinco
anos,
Por entre
espancamentos desumanos?
O rapaz
despojado
Da fortuna de um
banco que trazia?
Aquele vosso
irmão que amáveis tanto,
Pelo qual vossa
mãe morreu de saudade e de pranto,
Cuja morte no
mundo
Permanece
envolvida em mistério profundo?
O sacerdote
ouvira, trêmulo e assombrado
Mas nada
respondeu...
Após comprida
pausa, disse o condenado:
- “O assassino
fui eu...
Não me livreis
da forca a me entrego,
Já não agüento
mais a culpa que carrego...”
Pálido, o
sacerdote
Exclamou,
fatigado:
- “Para mim, já
não sois o sentenciado,
Sois também
nosso irmão,
Mereceis nosso
amor,
Em nome do
Senhor,
Estais vós
perdoado...”
Mas, nisso, a
multidão
Crendo haver
terminado aquele entendimento,
Que lembrava um
dialogo discreto,
Avançou sobre o
preso, em tumulto completo...
Não houve
qualquer tempo
Para maior
explicação.
Aos gritos
delirantes
De “morte ao
matador”,
Sob a guarda
robusta
Que tomara
feitio protetor,
O infeliz a
tremer, triste e descalço,
Subiu ao cadafalso...
Alguns momentos
mais,
E o corpo
entremostrando angústia indefinida,
Balançava sem
vida.
E, na turba, a
gritar, perante a horrível cena,
Entre vaias
finais e assovios plebeus,
O sacerdote em
pranto,
Sem que o povo
lhe ouvisse a palavra serena,
Murmurava,
sozinho, em pequeno recanto:
- “A justiça é de Deus... A justiça
é de Deus...”
Maria Dolores
Nenhum comentário:
Postar um comentário