Dívida
agravada#
O
Espírito André Luiz nos relata no capítulo 12, da obra Ação e Reação, páginas
215 a 219, a manifestação da lei de causa e efeito numa situação muito comum na
atualidade.
O
Assistente [Silas] interrompeu
a operação socorrista e falou-nos bondoso:
—
Temos aqui asfixiante problema de conta agravada. E designando a jovem mãe,
agora extenuada, continuou:
—
Marina veio de nossa Mansão para auxiliar a Jorge e Zilda, dos quais se fizera
devedora. No século passado, interpôs-se entre os dois, quando recém-casados, impelindo-os
a deploráveis leviandades, que lhes valeram angustiosa demência no Plano
Espiritual. Depois de longos padecimentos e desajustes, permitiu o Senhor que
muitos amigos intercedessem junto aos Poderes Superiores, para que se lhes recompusesse
o destino, e os três renasceram no mesmo quadro social, para o trabalho regenerativo.
Marina, a primogênita do lar de nossa irmã Luísa, recebeu a incumbência de
tutelar a irmãzinha menor, que assim se desenvolveu ao calor de seu fraternal
carinho, mas, quando moças feitas, há alguns anos, eis que, segundo o programa
de serviço traçado antes da reencarnação, a jovem Zilda reencontra Jorge
e reatam, instintivamente, os elos afetivos do pretérito. Amam-se com fervor e
confiam-se ao noivado. Marina, porém, longe de corresponder às promessas
esposadas no Mundo Maior, pelas quais lhe cabia amar o mesmo homem, no silêncio
da renúncia construtiva, amparando a irmãzinha, outrora repudiada esposa, nas lutas
purificadoras que a atualidade lhe ofertaria, passou a maquinar projetos inconfessáveis,
tomada de intensa paixão. Completamente cega e surda aos avisos da sua
consciência, começou a envolver o noivo da irmã em larga teia de seduções e,
atraindo para o seu escuso objetivo o apoio de entidades caprichosas e
enfermiças, por intermédio de doentios desejos, passou a hipnotizar o moço,
espontaneamente, com o auxílio dos vampiros desencarnados, cuja companhia
aliciara sem perceber...
E
Jorge, inconscientemente dominado, transferiu-se do amor por Zilda à simpatia por
Marina, observando que a nova afetividade lhe crescia assustadoramente no íntimo,
sem que ele mesmo pudesse controlar-lhe a expansão...
Decorridos breves meses,
dedicavam-se ambos a encontros ocultos, nos quais se comprometeram um com o
outro na maior intimidade... Zilda notou a modificação do rapaz, mas procurava
desculpar-lhe a indiferença à conta de cansaço no trabalho e dificuldades na
vida familiar. Todavia, em faltando apenas duas semanas para a realização do consórcio,
surpreende-se a pobrezinha com a inesperada e aflitiva confissão... Jorge expõe-lhe
a chaga que lhe excrucia o mundo interior... Não lhe nega admiração e carinho,
mas desde muito reconhece que somente Marina deve ser-lhe a companheira no lar.
A noiva preterida sufoca o pavoroso desapontamento que a subjuga e, aparentemente,
não se revolta. Mas, introvertida e desesperada, consegue na mesma noite do
entendimento a dose de formicida com que põe termo à existência física.
Alucinada
de dor, Zilda, desencarnada, foi recolhida por nossa irmã Luísa, que já se achava
antes dela em nosso mundo, admitida na Mansão pelos méritos maternais. A genitora
desditosa rogou o amparo de nossos Maiores. Na posição de mãe, apiedava-se de
ambas as jovens, de vez que a filha traidora, aos seus olhos, era mais infeliz
que a filha escarnecida, embora esta última houvesse adquirido o grave débito
dos suicidas, em seu caso atenuado pela alienação mental em que a moça se vira,
sentenciada sem razão a inqualificável abandono... Examinando o assunto,
carinhosamente, pelo Ministro Sânzio [...],
determinou ele que Marina fosse considerada devedora em conta agravada por ela
mesma. E, logo após a decisão, providenciou a fim de que Zilda fosse recambiada
ao lar para receber aí os cuidados merecidos. Marina falhara na prova de
renúncia em favor da irmã que lhe era credora generosa, mas condenara-se ao sacrifício
pela mesma irmãzinha, agora imposta pelo aresto da Lei ao seu convívio, na
situação de filha terrivelmente sofredora e imensamente amada. Foi assim que Jorge
e Marina, livres, casaram-se, recolhendo da Terra a comunhão afetiva pela qual
suspiravam; entretanto, dois anos após o enlace, receberam Zilda em rendado berço,
como filhinha estremecida. Mas... desde os primeiros meses do rebento adorado, identificara-lhe
a dolorosa prova. Zilda, hoje chamada Nilda, nasceu surda-muda e mentalmente
retardada, em consequência do trauma perispirítico experimentado na morte por
envenenamento voluntário. Inconsciente e atormentada nos refolhos do ser pelas
recordações asfixiantes do passado recente, chora quase que dia e noite...
Quanto
mais sofre, porém, mais ampla ternura recolhe dos pais que a amam com extremados
desvelos de compaixão e carinho... Silenciou o Assistente [...].
Achávamo-nos
eu e Hilário, assombrados e comovidos. O problema era doloroso do ponto de
vista humano, contudo encerrava precioso ensinamento da Justiça Divina.
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XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação.
Pelo espírito André Luiz. 26. ed. Rio de Janeiro. FEB. 2004. Cap. 12 (Dívida
agravada), p. 215-219.
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