O
Homem
Pietro Ubaldi, na
apresentação do seu livro “Fragmentos de Pensamento e de Paixão” diz:
“Apresento-me como homem”.
Não conheço nada do Chico
Xavier, em que se apresente deste modo. O que fala de si, di-lo ligado ao
contexto do que representa como instrumento mediúnico e, nessa instrumentalidade,
ressalta o fato de ser simples servo de Jesus e discípulo de Kardec.
No entanto, é no decorrer
de pronunciamentos ocasionais em círculos estreitos, nas entrevistas, em
cerimônias de concessão de títulos, que deixa escapar fragmentos do seu lado
humano. Um exemplo dessa amostragem deu-se quando, no vídeo, perante milhões de
telespectadores, ele contou que viajava num avião e este, batido por uma
tempestade, começou a balançar. Deixou-se tomar, então, por grande pânico e
pôs-se a gritar: “Valei-me, Deus”, pedindo o amparo superior com escândalo, ao
que seu mentor espiritual, Emmanuel, prontamente atalhou: “Se você sabe que
vai morrer, morra, ao menos, com educação”.
Neste confiteor, como em
muitos outros, ele se põe a descoberto, mostrando a sua falta de coragem diante
do perigo ou relatando-a jeitosamente, em dado momento, a fim de que não o
julguem um pequeno Deus.
Evidentemente que a sua
estrutura fisiopsicossomática, na terminologia de André Luiz, deve ser muito
delicada para que possa ser um D’Artagnan ou sentir impulsos sanguíneos como
respostas naturais aos desafios do meio ambiente terreno.
Noutro momento humano,
surpreendemos Chico dispensando uma afeição toda particular a esta ou aquela
senhora, a este ou aquele cidadão, prendendo-se, em demasia, a tal ou qual
grupo de pessoas.
R. A. Ranieri, que teve a
ventura de conviver mais intimamente com o nosso médium e que deixou valiosa
contribuição bibliográfica, encontrava dificuldade em interpretá-lo
convenientemente. De modo geral, o seu coração é terno e agasalhador para
todos. Particularmente, porém, Chico Xavier dá-se, num momento existencial,
para este ou aquele alguém, distinguindo-o de modo especial. Os que desejariam
tê-lo, assim, mais junto de si e com maior intimidade, porque é realmente
querido, sentem então despeito pelos que conseguem, no seu coração, este lugar
especial.
Estas pessoas beneficiadas
pelo seu afeto humano, no entanto, não o exploram particularmente, como poderia
parecer à primeira vista. Possuem entusiasmo febricitante em servi-lo, em
acompanhá-lo ou, ainda, em permutar eflúvios e respirar aquela atmosfera
radiante e extraordinária.
Muitos destes,
principalmente damas, algumas desfrutando alta posição social e econômica,
revelam tal disposição ao trabalho e fidelidade à obra, que atravessam uma
noite sem dormir, tornam-se imunes ao cansaço e conseguem o que não é para
qualquer um: aguentar o Chico em sua resistência e fleugma, impressionantes, na
sua disposição para estar novo em folha, às tantas da madrugada, quando a maioria
já deu o prego.
Mas parece-me que não era
de outro modo que agia Jesus e, no Seu ministério, vemo-Lo ser de toda a
humanidade, mas amar, de maneira diferente, aquelas mulheres que o serviam,
Jesus chorou a morte de Lázaro. E vendo-o chorar, os judeus murmuravam: “Vede
como ele o amava!” (Jô II. 35).
Este tipo de
relacionamento, muitas vezes, poderá causar perplexidade, se não estivermos
preparados para entendê-lo. Numa fase pode demonstrar profundo interesse pessoal
por nós, tornando-nos comensal, para, mais adiante, passar por nós como diante
de outro qualquer. No dizer de Ranieri: “Assim como o beija-flor que vem
pressuroso buscar o pólen das flores e, depois, se afasta velozmente, Chico
também se aproxima feliz, contempla-nos, por um momento e, depois, se
afasta...”
No entanto, eu que o
observei à meia-distância, perto dele, mas não na sua intimidade, acredito que,
nesse relacionamento com os semelhantes, mormente confrades, permaneça o mesmo
traço que o levou a mostrar a sua fraqueza diante do perigo aéreo. Ou seja,
importa reconhecer-se a sua natureza delicada, de tal modo humilde e amável,
que se entrega aos que se mostrem mais corajosos na aproximação. Quem lhe
conquista mais horas de atenção é aquele que se mostra mais afoito.
Eu, que também neste ponto
sempre fui muito tímido, com medo de incomodar, tomar o tempo das pessoas destacadas,
muitas vezes estive em Uberaba e, ali, na Comunhão Espírita, era escolhido para
compor a mesa e fazer comentários sobre os temas da noite. Mas nunca conseguia
uma aproximação apreciável com o Chico.
Fora dos trabalhos, muitas
vezes, soube por terceiros, que transitara por Campinas, estivera na casa de A,
reunira-se a B, aos quais parecia tributar amizade à parte. Estas pessoas, às
vezes, não tinham nenhuma significação no movimento espírita, mas tinham-no
como amigo, enquanto grandes diretores de obras suspiravam por uma
oportunidade, na qual pudessem receber uma orientação espiritual.
Que se deduz disto? Que,
além desta sua natureza especial, sensível aos que o tomem, nunca fez de sua
mediunidade um instrumento de dominação ou de política religiosa. Pregou,
anunciou mas não insinuou e nem insinuou-se. Nunca comandou, e portanto, não aliciou.
E isto tem sido bom, muito bom.
Quando lemos o livro de
Jacob Nedleman “As Novas Religiões”, temos de nos deter na figura do célebre
Meher Baba, nascido em Pooma, na Índia, e educado no Sufismo e na religião de
Zoroastro. Ele parece ter-se tornado um dos chamados Mestres Perfeitos que
tomam a si o governo do mundo e ter despertado enorme afluxo de jovens para a
sua quase que adoração. No entanto, e isso é incrível, parou de falar em 1925!
Mais de quarenta anos, sem dizer palavra! Os seus adeptos, em todo o mundo,
porém, esperavam ansiosos a quebra do “Silêncio”, da mesma maneira entusiasta
com que os milenaristas esperavam eufóricos o “Fim do Mundo”, mas Meher Baba não
quebrou o silêncio, não disse nada, pensou bastante e lá se foi para o outro
mundo.
Não deveríamos nos deter
tão só neste consagrado Mestre Perfeito, mas faria bem que acompanhássemos os
passos de Paul Brunton através da Índia, em busca de tais mestres que, na
verdade, parece nunca ter encontrado. E, só então, compreenderíamos que é que
está acontecendo de maravilhoso, no Brasil contemporâneo.
Quando Hamendras Nat
Barneje esteve no Brasil, coloquiou com Chico Xavier e, então, pediu-lhe as
“bênçãos”. Declarou, depois, publicamente, através da Manchete, que Chico era o
baba brasileiro.
No entanto, o santuário ou
o “Ashram” do Chico é feito de gente. Gente de toda espécie, principalmente
necessitada. Gente sofrida, angustiada, rica, pobre, acotovelando-se e trocando
suor. Muitos desejando algo, outros querendo ouvi-lo e vê-lo e alguns recebendo
estímulo para a respectiva obra de benemerência.
Ele é o que transmite. Não
tanto de si, mas como simples trombeta, na qual sopram os Emissários do Senhor.
Não em som de Juízo, mas de “meeting”, em que se dá o mais estranho o ágape de
todos os tempos: o do encontro entre vivos e mortos para o reencontro do
caminho perdido da cristandade. O “ditache” que vão deixando, através dele, é
um Evangelho vivo, operante e interiorizado, o da III Revelação.
Quando, recentemente,
alguns confrades, também por amor, desejavam recriminar aquelas pessoas que o
levam por Meca, em cansativas noites de autógrafos e de recebimentos de títulos
de cidadania, Chico, na direção do jornal Nova Era, de Franca, veio esclarecer
que “essa fase estava programada, porque, no momento, lhe competia o esforço de
alargar os horizontes do movimento espírita que precisa de expansão ideológica,
muito mais do que livros reveladores.”
Nenhum recolhimento, nem silêncio,
nenhum eremitério nem gruta de Santo Antão, nenhuma atmosfera mística nem
posição de Mestre Perfeito.
Certa ocasião, eu estava
na fila, na Comunhão Espírita Cristã de Uberaba, a fim de cumprimentar o Chico.
Logo depois de mim, encontrava-se um solerte professor de Parapsicologia, há
tantos por hora na poltrona. Chegando a vez do Dr. Para-Si falar como Chico, a
fila parou. Atrás, crianças, senhoras, pessoas doentes. Ele, com impertinência,
insistia para que o Chico aderisse a um trabalho de pesquisa parapsicológica.
“Precisamos trabalhar juntos” – falava e tornava a falar. Pela primeira vez, vi
o Chico perder a estribeira, ficar um tanto nervoso, acabando por dizer-lhe:
“Sim, vamos trabalhar juntos. Volte aqui amanhã. Vamos servir sopa para estes
pobres famintos.”
Se se trata de conhecer o
Chico Xavier-Homem, importa que se destaque a sua impressionante coragem moral
e espiritual. Em nenhum momento, vemo-lo tergiversar, recuar, no plano em que
domina, o espiritual, não se curva diante da calúnia, da traição e de quaisquer
outros processos esquivos do adversário. Muitas vezes deverá ter sofrido o abandono
e a incompreensão. Continuou impávido, mas corajoso do que Hércules, ele, justamente,
eu talvez não seja capaz de matar uma mosca.
É, sobretudo, na humildade
que reside a sua força e é com ela que esgrime. A estocada de seu florete
derrama perfume e inculca no corpo do adversário o plasma de amor. Querem-no,
os da galeria, ovacionando-o, que, dê marradas ou destile verrimas, mas ele
logo obtempera: “Antes de tudo, pedimos licença para dizer que temos aprendido
com os Bons Espíritos que a titulações exteriores não nos afastam das
obrigações de amparo mútuo em nome do Cristo de Deus.”
Quando se refere aos
representantes da Igreja, fá-lo respeitosamente e com tanta delicadeza que
muitos dignitários eclesiásticos chegam a estimá-lo, embora saibam que lhes
roube enorme quantidade de reses do rebanho. O Monsenhor Sebastião Scarzelli
foi confessor de Chico Xavier e este nunca o esquece, assim como o Monsenhor, também,
lembra-se do médium com carinho: “Conheci-o muito bem, quando vigário de Matosinhos,
Minas Gerais. Era, então, balconista do senhor Carvalho, na cidadezinha de
Pedro Leopoldo. A família do Chico era de bons costumes. Seu pai vendia
bilhetes de loteria. Constantemente, eu procurava conversar, na venda do senhor
Carvalho, com este pequeno empregado, apreciando no Chico a dedicação com que
servia a freguesia”.
Talvez este treinamento
atrás de um balcão de venda do interior lhe tenha valido muitos anos depois,
famoso, devesse atender outro tipo de freguesia, em busca da mensagem espiritual.
Tendo se deslocado da
Comunhão Espírita para o Grupo Espírita da prece, quis estar mais frente a
frente com este público, sem intermediários.
Vimo-lo, então, na porta
de entrada recebendo o público, com lápis e papel na mão, atendendo um por um,
anotando nome, o motivo, a intercessão desejada para si, para o tio, primo ou a
avó que havia morrido muitos anos passados.
Ele, conselheiro, médium,
e escrivinhador. Ao menos, desejava dizer que a pena mais cintilante pode
parar, por um momento, para suavizar a dor do semelhante. Sempre a primazia do
amor.
Não conseguiríamos, num
espaço assinalado, falar do Chico Homem. Se devêssemos, entre tantos dons,
ressaltar um importante, tomaríamos a sua alegria contagiante. Alegria
infantil, em que não há malícia. Num convento – conta-nos o saudoso Carlos Imbassahy
– os monges quando se encontravam, mostravam um ao outro, nos cumprimentos, uma
caveira, e as palavras não eram “Bom Dia”, mas, “Irmão, lembrai-vos de que
sereis isto amanhã”.
Chico Xavier é a aparte
solar e brilhante do Cristo. No Evangelho que nos verte do coração, não há
ilustrações com Nosso Senhor Jesus Morto porejando sangue. Como Francisco de
Assis, naturalmente, gostaria de ser seresteiro. Aprecia a noitada de
confraternização, em tom de camaradagem sã e alegre.
Para que não se azede esse
companheirismo, às vezes, é levado a nos enganar, deixando-nos à vontade com os
nossos pendores. Alguns amigos – conta Ranieri – levaram-no a pescar. Chico
Xavier ficava quietinho, quietinho, com a linha na água. Todos pescavam, menos
ele. Até que um dia se desfez o mistério. Chico não colocava o anzol na linha!
Mário Boari Tamassia
Jornal Espírita, São
Paulo, SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário