Chico fala dos seus sessenta anos de Mediunidade
Carlos A Baccelli
Dia 08 de
julho próximo, o nosso estimado Chico Xavier estará completando sessenta anos
de mediunidade!
Sabemos que
foi em 1927 o início da tarefa abençoada que cumpre na presente existência.
As lutas foram
e continuam sendo enormes, todavia, como fiel discípulo do Cristo, em silêncio
ele prossegue servindo...
O seu trabalho
chega a ser quase inacreditável! Sim, porque, em se tratando de uma só pessoa,
com as limitações próprias de todo ser humano, não sabemos como consegue superar-se
e produzir tanto, em que pese a presença constante dos Benfeitores Espirituais
em sua vida, entre os quais se destaca a figura extraordinária de Emmanuel.
Os livros que
lhes nasceram das mãos aproximam-se da marca dos trezentos volumes, em edições
que se esgotam sucessivamente.
As suas seis
décadas consagradas ao labor mediúnico, com Jesus e Kardec, em verdade
representam uma taxa de tempo muito mais amplo, principalmente se levarmos em
conta apenas as três ou quatro horas de repouso diário, no refazimento das
próprias energias.
Desnecessário
que nos alonguemos aqui em outras considerações.
Na noite do
dia 25 de março fomos visitá-lo na intimidade de seu lar.
Pedimos-lhe,
então, que nos concedesse uma rápida entrevista falando sobre os seus sessenta
anos de mediunidade, já que não gostaríamos de cansá-lo com perguntas que, certamente,
lhe foram feitas inúmeras vezes, ao longo do tempo.
Em nome da nossa
amizade, Chico humildemente aquiesceu, e aqui está o resultado do trabalho que
apresentamos agora aos nossos companheiros de ideal Espírita, rogando ao Senhor
da Vida que o envolva em nossas vibrações de carinho e profunda gratidão.
- Chico como
você se sente ao estar completando, no próximo dia 08 de julho, sessenta anos
de abençoada mediunidade?
- Baccelli;
aos sessenta janeiros de mediunidade, com serviço constante, noto que o meu
instrumento físico – no caso, o meu próprio corpo – registra desgaste natural e
compreensível, após seis décadas de ação.
Digo isto,
porque nessa cota de tempo está incluído o período de trinta e cinco anos em
que servi na condição de funcionário do Ministério da Agricultura, hoje
aposentado.
Entretanto,
pode crer que, do ponto de vista espiritual, a minha alegria com a mediunidade
não sofreu qualquer alteração.
O corpo terá
motivos para não se mostrar tão apto como antigamente para as minhas atividades
normais, no entanto, quanto mais se me desgasta o veículo físico, mas vivo é o
meu entusiasmo coma s tarefas que me foram confiadas.
Neste sentido,
para que o nosso entendimento não se afaste do bom-humor a que nos habituamos,
peço permissão para contar a você que uma de minhas irmãs, residente em Pedro Leopoldo ,
perguntando-me numa carta do mês passado, como eu me sentia co completar
sessenta anos de mediunidade ativa e ininterrupta, respondi-lhe que me
reconheço à maneira de um trabalhador do campo, preparando-me para o regresso
ao lar, depois de um longo dia de trabalho.
- O que essa
convivência estreita com os Espíritos lhe tem ensinado de mais importante?
- Creio que
a matéria mais importante que recolhi da convivência diária com os Amigos
Espirituais, durante sessenta anos, é o que julgo seja o meu relacionamento com
os meus semelhantes.
Tendo saído de
um curso primário que não me proporcionava naturalmente qualquer diretriz
psicológica para compreender as outras pessoas, o tato e a caridade que os
Espíritos Amigos me ensinaram para guardar o respeito que devo ao próximo e que
preciso manter para minha paz íntima na essência foram e ainda são os melhores
recursos que recebi da convivência com eles para me relacionar com os irmãos da
caminhada humana. Isso porque me cabe aceita-los como são, dosando a verdade em
qualquer diálogo que se faça necessário, sem feri-los e sem prejudicá-los.
Dizem os
Amigos espirituais que as atitudes de apreço e tolerância construtiva para com
as criaturas, sejam como sejam, nos fazem ver que precisamos da cooperação
delas, em nosso próprio benefício.
- Como
entender o interessante fenômeno da multidão que, semanalmente, o procura nas
atividades do Grupo Espírita da Prece?
- Guardo a
certeza de que os amigos e simpatizantes da Doutrina Espírita que nos procuram
em nossas reuniões dos sábados, no Grupo espírita da Prece, são movidos pelo
espírito de fraternidade com que se propõem a incentivar-nos os bons propósitos
do trabalho que a própria Doutrina nos faculta.
- Ante as
lutas que surgiram ao longo do tempo, alguma vez chegou a pensar em viver a sua
própria vida, deixando a mediunidade?
- No
princípio das tarefas, estranhei a disciplina a que devia submeter-me.
Fiquei triste
ao imaginar que eu era uma pessoa rebelde e, nesse estado de quase depressão,
certa feita me vi fora do corpo, observando um burro teimoso puxando uma
carroça que transportava muitos documentos.
Notei que o
animal, embora trabalhando, ficava com inveja dos companheiros da sua espécie
que corriam livremente no pasto, mas vi igualmente que muitos deles entravam em
conflitos, dos quais se retiravam com pisadas sanguinolentas.
O burro
começou a refletir que a vida livre não era tão desejada como supusera, de
começo.
A viagem da
carroça seguia regularmente e ele se reconheceu amparado por diversas pessoas
que lhe ofereciam alfafa e água potável.
Finda a
visão-ensinamento, coloquei-me na posição do animal e compreendi que para mim
era muito melhor estar sob freios disciplinares do que ser livre no pasto da
vida, para escoicear companheiros ou ser por eles escoiceado.
- Como
interpretar a fase atual de sua tarefa mediúnica, na recepção de mensagens que
os desencarnados endereçam aos familiares na Terra?
- Quando
recebo determinada mensagem dirigida a familiares que se reconfortam, sinto
realmente uma grande alegria.
- O que Chico
Xavier pensa de Chico Xavier?
- À medida
que os Benfeitores espirituais nos transmitem lições de esperança e de aperfeiçoamento,
assinalo a distância em que me encontro do médium evangelizado que eu deveria
ser.
A luta se
estabelece em minha vida interior, qual se eu me pusesse a rixar comigo mesmo.
Nessa luta
prossigo, sob a paciência e a compaixão dos Benfeitores da Vida Maior que nos
orientam caridosamente, mas, embora não sendo o Chico Xavier que preciso ser,
continuo a trabalhar com fé em Deus, reconhecendo as minhas imperfeições e esperando
o dia em que serei o Chico Xavier que possa corresponder à confiança dos nossos
Amigos Espirituais e dos nossos companheiros da Terra.
- Você tem
saudades dos primeiros anos da mediunidade, quando então tudo começava?
- Tenho
saudades dos companheiros e das irmãs com quem me iniciei na mediunidade,
atualmente quase todos na Vida Espiritual, no entanto, essas saudades que
ensinam a valorizar os companheiros e as irmãs que a Divina Providência ma
concedeu para trabalhar aos quais a servir nos dias de hoje, irmãos esses aos
quais, no presente, devo o mesmo amor e o mesmo reconhecimento que me unem a
memória às almas queridas que tanto me auxiliaram no passado.
- Existe algum
episódio de suas reminiscências que, particularmente, gostaria de lembrar agora
aos companheiros de Doutrina que o amam tanto?
- Lembro-me
de um acontecimento que considero por vitória da fé.
Em 1928, as
nossas necessidades de recursos materiais eram prementes e não víamos como
solucionar o problema senão esperando pela Misericórdia de Deus.
A situação era
essa, quando, numa noite de preces, uma jovem tuberculosa nos procurou, rogando
auxílio.
Estava abatida
e ofegante.
Falou-nos das
hemoptises que já sofrera.
Pedia uma
orientação do Dr. Bezerra de Menezes que, nesse tempo, já nos estendia a caridade
da sua atenção.
Dr. Bezerra
veio até nós e recomendou à moça diversas providências que lhe auxiliariam a
cura.
E, terminadas
as instruções dele, disse, escrevendo por nossas mãos: “-Filha, procure fazer o
que lhe peço tomando a presente orientação por trinta dias seguidos”.
A jovem chorou
e disse que não dispunha de dinheiro algum para atender aos conselhos recebidos.
Por outro
lado, muito me comovi porque eu também não possuía os recursos necessários.
Disse a ela
que tivesse confiança porque os recursos apareceriam.
Depois de um
mês, a mesma jovem voltou às nossas preces; plenamente revigorada!
Perdera o
abatimento,
Trazia a face
rosada.
Fui impelido a
perguntar-lhe se havia obtido os recursos que nem ela nem eu possuíamos, trinta
dias antes.
Sorrindo, ela
me disse: “- Chico, o Dr. Bezerra me aconselhou a usar as instruções dele por
trinta dias”.
Não tendo
dinheiro, cortei o papel da orientação em trinta pedacinhos e, cada manhã, eu
fazia uma prece, pedindo o amparo de Jesus, e engolia um dos pedacinhos com
água de nossa casa.
Ao fim de
trinta dias, bebi a receita do Dr. Bezerra; e o próprio médico que me tratou, a
princípio, já declarou que estou perfeitamente restabelecida...””
- Como vê os
rumos da Doutrina Espírita no Brasil, quando observamos tantos conflitos no
movimento colocando em risco a paz do grupo?
- Creio que
devemos efetuar campanhas de silêncio contra as chamadas “fofocas”, cultivando
orações e pensamentos caridosos e otimistas, em favor da nossa união e da nossa
paz geral.
Esta minha
lembrança simples pode parecer ingênua, mas, sempre que me abstive do cultivo
de “fofocas” e sempre que recorri à prece, consegui paz e entendimento par ao
meu coração.
- Chico, no
dia 02 de abril você completará setenta e sete anos de vida no corpo físico.
Você se considera realizado e feliz?
- Sinto-me
profundamente feliz por todas as bênçãos que Jesus e os Amigos Espirituais me
concederam, mas, sentir-me realizado, segundo acredito, é um projeto para daqui
a milênios!
Estou
desenhado pela Espiritualidade, mas extremamente longe da imagem que eles
projetaram para meus apuros e necessidades de automelhoria.
- Qual é a sua
mensagem para os médiuns que estão dando agora os primeiros passos?
- Quando
Emmanuel me apareceu pela primeira vez, em fins de 1931, dizendo que pretendia
auxiliar-me no serviço mediúnico, indaguei a ele:
O que acha o
senhor que devo fazer para ser-lhe útil, já que nada tenho de mim para receber
o amparo do senhor?
Ele respondeu:
Começaremos
com três recursos, que não são inacessíveis para você.
Então voltei a
perguntar:
Quais são
esses recursos?
Muito sério,
mas benevolente, ele me respondeu:
Disciplina,
disciplina e disciplina.
(Jornal “A
Flama Espírita” – Uberaba, Minas, 20 de julho de 1987).
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