terça-feira, 20 de agosto de 2013

Redenção e Amor


 
Redenção e Amor

A polícia chamara a velhinha presente.
Na sala de chefia, estava pouca gente,
Mas, no centro do quadro, uma jovem brilhante,
A quem a fama abrira as portas,
Levantou-se arrogante
E, apontando a senhora,
Que se vestia humildemente,
Falou ao delegado de plantão,
-Esta mulher ai de pernas tortas
Já me esgotou a paciência,
Por favor, excelência,
Exijo que ela seja repreendida,
É uma velha idiota a me arrasar a vida,
Diz ser a minha mãe, andando aqui e ali
Mas sei que minha mãe morreu quando eu nasci...


Creio seja a mulher de muita idade
Que mora aos fundos da mansão,
Onde encontrei a minha
educação
E onde ela vive pela caridade.
Tenho um nome correto a defender,
Nos clubes, nos jornais,
Afasta-la de mim é a
penas meu dever,
Quero que esta gorila
Não me chame de filha,
Nem me incomode mais.


O delegado fita a acusada infeliz,
Que se mostrava pálida e sem jeito,
E indagou a respeito:
-A senhora?... O que diz?

A velhinha informou, em tom magoado:
-Peço consentimento,
A fim de esclarecer ao senhor delegado
Que estou viúva, há mais de vinte anos...
Vivi com m
eu marido poucos dias...
Era ele pintor, lidando em grande altura,
Falec
eu ao cair de uma laje insegura,
Fiquei grávida e só, recalcando agonias...
Na condição de lavadeira,
Vivo sempre reclusa
No lar que me albergou a vida inteira,
Onde nasc
eu a jovem que me acusa;
Ela cresc
eu, senhor, fez-se forte e instruída,
E agora resolv
eu mudar a própria vida...


A moça ap
arteou, bradando revoltada:
-É mentira, excelência...Esta velha estouvada
É um caso a
penas para sanatório...

Antes, porém, que o delegado
Emitisse apressado
Qualquer conceito vexatório,
Ouviu-se o coração materno, conformado:
-Disse toda a
verdade, meu senhor,
Esta filha que
eu tenho é a linda estrela
De minha estrada dolorosa,
No entanto, se é feliz sem m
eu amor,
Aceito a acusação de mentirosa
E prometo não mais aborrece-la.


Ambas não mais se viram, frente a frente.
Aquela mãe sem
forças, mais doente,
Da Terra desprend
eu-se, fatigada...
Mas a filha seguiu por outra estrada.

A borboleta humana embevecida
Quis desfrutar, sem pausa, os
prazeres da vida...
E viv
eu mais dez anos, desta em festa,
De coração afoito e desatento...
Almas lesadas,
luto e desalento
Seguiram-lhe, no mundo, as
insensatezes funestas...
Mas a doença veio e a pobre já não era
A jovem que lembrava a primavera,
A princesa da noite e da ilusão...
Depois de
angústia imensa, em longos dias,
Na mais deserta das enfermarias,
A
morte situou-se noutras plagas...
Ei-la agora na vida diferente...
Sentia-se, em si própria, como em chagas;
Parecia guardar a memória doente
E, acima dos remorsos que trazia,
A
dor da triste mãe que desprezara, um dia,
Punha-lhe o coração em fogo lento.


Não mais soube contar o dia, a hora,
Porque, perante o Além, na culpa de quem chora
O tempo se transforma em sofrimento...
Meses correram sobre muitos meses,
Via-se em sombra e a sós... No entanto, algumas vezes,
Ouvia vozes perto... Era a doce lembrança
Da meninice longe, entre as bênçãos do lar...
Ternos motes de
amor e canções de ninas,
Como notas de paz em brisas de esperança...

Passados alguns anos, certo dia,
Enxergou novamente o sol, a
natureza...
Pranteia de
emoção, embora presa
À luz, à imensa luz que lhe sorria...

Eis que alguém lhe aparece...Um
anjo de visita
Ou luminoso ser de beleza infinita?
Ela chora, a sentir-se envergonhada,
Mas esse alguém lhe fala com ternura:
-Vida de minha vida, filha amada,
A
dor é a grande estrada para a Altura,
Quero ver-te, de novo, nos m
eus braços,
Regressarás à Terra, em minha companhia,
Minha filha de
alegria,
Renascerás comigo no futuro...
Filha querida, estrela de m
eus passos,
Buscaremos, na Terra, as fontes do
amor puro...
Como sempre, serás m
eu sonho e meu encanto,
Filha do coração, tesouro que amo tanto!...

Mas a pobre exclamou:- Quem sois vós que falais?
Filha? Fui sempre má, não mereço este nome...
Reneguei minha mãe, o fel que me consome
É o remorso cruel que não se acaba mais...
Quem sois vós que não vedes minha
dor
E nem reconheceis a angústia que me leva
A recear a luz e esconder-me na treva?...
Por quem sois,
anjo ou luz, uma santa ou uma estrela,
Levai-me à mãe que
eu tive, quero vê-la...
Onde está minha mãe, m
eu refúgio e meu guia?
Somente minha mãe me perdoaria...


Maria Dolores

Do livro Alma e Vida, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Fonte: http://www.caminholuz.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário