domingo, 7 de julho de 2013

Definindo Rumos


 
Definindo Rumos

Afirma você, meu amigo, que desejaria colaborar nos trabalhos do Espiritismo cristão, seduzido pela beleza da doutrina consoladora, mas acrescenta que a complexidade do assunto lhe apavora o coração.



Encontrei – diz você, aterrado – as mais estranhas manifestações, desde o médium que se enquadrou no Evangelho, qual sacerdote, ao profeta grosseiro, que maneja o punhal em ritos misteriosos, cabriolando no chão, como o velho capoeira carioca. Há grupos que se dizem orientados por Espíritos de filósofos e outros que se afirmam dirigidos pelo caboclo Manassés ou por Pai Mateus, antigo escravo de recuada província do Brasil imperial. Em certas casas, ensina-se a cultivar a prece improvisada, com os valores espontâneos do cordão; em outras, preconiza-se a repetição de determinado número de “padre-nossos”. Em alguns lugares, a doutrinação é serena, como a palestra em residência de criaturas educadas no código de boas-maneiras; em outros, porém, verificam-se balbúrdias e gritarias. Não admite a minha perplexidade? não terei razões para o afastamento?



E você, de fato, retirou-se e permanece à margem.



Respondendo, todavia, com lealdade, à sua pergunta, asseguro que lhe falta razão. Como acontece a muita gente, você notou a extensão do trabalho e preferiu a poltrona cômoda de sua casa. Estima excessivamente o “seu mundo” para atirar-se ao concurso educativo. Em verdade, sua mente não mais alberga qualquer dúvida, referentemente à vida eterna. A sobrevivência do homem, após a morte do corpo físico, é para você problema liquidado. E quando se encontra no café da avenida, junto de amigos gastadores de tempo, ou nos salões elegantes, ao lado de senhoras chiques, você timbra em contar, com graças, suas experiências no campo vasto e acolhedor do Espiritismo fenomênico. De quando a quando, quebra a ponta do cigarro, no cinzeiro de adorno, e prossegue no anedotário brilhante. Conta as ocorrências, em fraseologia de efeito, e enquanto cavalheiros e damas inteligentes se referem a René Sudre e Charles Richet, você conclui asseverando que, de fato, lhe foi impossível continuar o exame do assunto, em virtude das contradições e exotismos existentes. É digna de nota a circunstância de jamais aludir ao ponto de partida de suas indagações. Esqueceu-se de que procurou a convivência dos companheiros humildes do grupo espiritista cristão, assediado por terríveis angústias, diante dos sofrimentos indizíveis da alma sem fé. Recebeu novo material de pensamento para o cérebro vazio e ganhou esperanças para o coração
desalentado, mas, em seguida ao reconforto, você olvidou os benfeitores da véspera e multiplica referências acrimoniosas e irônicas. Pudéssemos, porém, pedir-lhe alguma coisa e não nos lembraríamos da flor da gratidão, raríssima no solo arenoso do planeta. Recordaríamos tão somente, perante o seu raciocínio de homem culto, a necessidade de compreensão e conhecimento.



Relaciona, você, complexidades e obstáculos, dificuldades e divergências, mas estará procurando, porventura, a “doutrina, do prato feito”? Onde se encontra a Ciência que haja nascido completa das mãos dos iniciadores? O Espiritismo, como oficina de sabedoria e amor, aperfeiçoamento e iluminação, é instituto mundial de trabalho incessante, onde não há palanque para espectadores ociosos.



Refere-se aos “indianismos” e “africanismos” de inúmeras manifestações da fenomenologia, mas já pensou maduramente na expressão moral desses acontecimentos? tem lido o histórico de nossa evolução coletiva?



Quem recebeu, na terra farta de Santa Cruz, os europeus esgotados por lutas sangrentas, abrindo-lhes caminhos novos à realização espiritual, transformando-se em escravo sofredor dos conquistadores inteligentes? não foi, acaso, o índio? Você, que condenou o ataque italiano à Abissínia, no século XX, reconhecendo que os filhos de Adis-Abeba são igualmente filhos de Deus, como os romanos ilustres, também admitirá que Deus não existia no século XVI e que os povos simples da América não eram dignos do amparo celestial? Desconhece o que fez Pizarro, o tirano espanhol, diante dos americanos ingênuos que nele confiaram? E os africanos? quem os arrebatou da terra natal, arrebanhando-os, como a animais, a fim de aproveitar-lhes o braço forte nas construções do Mundo Novo? quem os assassinou, devagarinho, em navios infectos, e vendeu os que resistiram à morte, aos cruéis senhores do feudalismo rural? E é justamente você, meu amigo, leitor assíduo da História, quem admira, com falsa ingenuidade, as manifestações dos nossos irmãos, ainda encarcerados no rudimentarismo da forma? Entretanto, Pai Mateus e Mãe Ambrósia, a que se refere com tanto sarcasmo, foram pajens carinhosos de seus bisavós, furtaram o leite dos próprios filhinhos para que os seus antepassados vivessem, e choraram, na senzala, em segredo, quando os seus recuados parentes lhes prostituíram as filhas, vendendo-as, logo após, com frieza e ferocidade, aos tiranos do cativeiro.



Não considera, você, que todos nós, espíritos de inteligência requintada, mas de sentimento galvanizado no mal, somos devedores antigos dessas almas virtuosas e nobres, embora muitas vezes cristalizadas em velhos hábitos que lhes retardam o progresso intelectual? quem estará mais errado, perante Deus? elas, que atrasaram o cérebro, ou nós que endurecemos o coração?


A morte não é um banho miraculoso de sabedoria, repetiremos ainda e sempre. Somos tais quais fomos, tendendo para o melhor, porque a evolução não dá saltos, como o trapezista suspenso no ar por um fio de arame.



O Espiritismo é tão complexo, como qualquer serviço de educação. E se encontramos numerosas entidades de africanos e indígenas, em nosso ministério espiritual, é que o Senhor nos chama ao pagamento do enorme débito para, com aqueles que nos serviram a todos, nestes últimos quatro séculos, na terra abençoada e farta do Brasil.



Como vê, a nova doutrina consoladora pede colaboradores de consciência bem formada e não críticos de raciocínio brilhante.

Se você deseja trabalhar, com sinceridade, procure o seu lugar na oficina do serviço educativo e ajude na obra coletiva do bem, convicto de que Jesus inspira a todos os cooperadores de boa vontade. Mas se você não quiser, faça o possível por calar-se, sente-se na sua poltrona e espere o futuro.

 

Irmão X

Do livro: Lázaro Redivivo, psicografia de Francisco Cândido Xavier

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