terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 

 É VERDADE, ACONTECEU NA CASA DO CAMINHO (11).

 “Mas Deus disse-lhe: Insensato, esta noite te exigirão a tua alma; e as coisas que ajuntaste, para quem serão? Assim é aquele que entesoura para si, e não é rico para com Deus. Jesus disse a seus discípulos: Portanto vos digo: Não andeis cuidadosos da vida pelo que haveis de comer, nem do corpo pelo que haveis de vestir. Pois a vida é mais que o alimento, e o corpo mais que o vestido. Considerai os corvos, que não semeiam nem ceifam, não têm despensa nem celeiro; contudo Deus os alimenta. Quanto mais valeis vós do que as aves! Qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um cúbito à sua estatura? Se, pois, não podeis fazer nem as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras? Considerai os lírios, como não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Pois se Deus assim veste a erva no campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé! Não procureis o que haveis de comer ou beber, nem andeis solícitos; porque os homens do mundo é que procuram todas estas coisas; mas vosso Pai sabe que precisais delas. Buscai antes o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas. Não temas, pequeno rebanho; porque é do agrado de vosso Pai dar-vos o reino.” – Jesus - (Lucas 12:20-32)

Hoje a lembrança de um dos albergados da Casa do Caminho, mais valentes, mais destemidos que passou por lá, foi o Manoel Sabiá, daremos o nome fictício, ao Idoso, na intenção de evitar qualquer constrangimento por parte de seus familiares, ou mesmo pelo fato de que a intenção dos relatos é respeitarmos o ser humano, naquilo que possui de mais belo, honrado e justo.

Os sofrimentos lavaram seu corpo e sua alma, mas, continuaram firmes, na esperança de amar e ajudar, sem nada desejarem em troca, e, nunca retribuírem o mau recebido com o próprio mau. Fica patente, a altivez da alma, apesar da pobreza material, o caráter não foi corrompido pela soberba, pela estupidez e pela pobre vaidade humana.

Durante o tempo que viveu na Casa do Caminho, Manoel sempre se posicionou como um soldado do exército brasileiro, um verdadeiro guerreiro do servir e não de sê servido.

Quando jovem, morava num distrito de Sousa, mais seu sonho era ser oficial do Exército, e, naquela época longínqua, o quartel do Exercito mais próximo a Sousa (PB) era o da cidade de Caicó (RN).  Para tornar realidade seu sonho, seus pais realizam uma festa de despedida para a viagem que faria para Caicó. Familiares e amigos se cotizaram e levantaram o dinheiro de sua viagem.

E Manoel, levava um saco de roupas, alguns trocados minguados, uma galinha na farinha, sapatos emprestados, bastante apertados, chorando, abraçando os pais, irmãos e amigos e a alma cheia de esperança, afirmava em voz alta:

- Ouçam, voltarei a minha terra como um Oficial.

Todos se emocionavam com as palavras daquele jovem forte e bonito. Orgulho dos pais, pois, tratava-se de um filho trabalhador e gentil.

Sua chegada ao quartel foi comovente, recebido por um Sargento, explica que vem de Sousa e que estava de posse de seus documentos e do retrato de sua família. Foi bem acolhido, e é conduzido à sala de alistamento militar.

Vejam a surpresa que aguardava Manoel, no questionário que deveria preencher com lápis na mão, percebeu que não entendia nada do que estava escrito.

- Na verdade, era analfabeto, não sabia nem escrever o próprio nome.

Foi um desconforto intimo, sua cabeça girava ao ouvir as explicações do Sargento, seu choro partia de sua alma. Seu honrado pai tinha economizado durante anos para lhe oportunizar e concretizar seu sonho. O choro de desespero aumentava, dizia que não voltaria para casa, nada amenizava sua dor. O Sargento se encheu de compaixão e relatou o caso ao Comandante, que concordou com a idéia do Sargento de colocar um civil para ajudar em alguns serviços, sem remuneração, até que sua aflição se esvaísse.

Contudo, Manoel passa dois anos de sua vida, num quartel, sem ser soldado, tendo o novo comandante exigido sua dispensa por motivo de transgredir o regulamento militar vigente.

Assim, Manoel retorna ao Lar, recebido com alegria e lágrimas, contando estórias de soldado, todos maravilhados pelos contos, fardado com roupas emprestadas pelos soldados e comunicando que, em função do tempo de serviço, foi dada baixa no Exército.

Segundo Manoel, seu pai e sua mãe morreram e nunca souberam do ocorrido em Caicó.

Entretanto, sua alma foi marcada, sempre a noite, em preces, chorava, sem revolta, pelo que o destino tinha proporcionado.

Muito tempo depois, com mais de setenta anos, chega Manoel a nossa Casa, se dizia que fora do Exército, que nos treinos chegava há ficarem vários dias sem comer, passava sede e ficava exausto com a dureza dos treinos, informou que chegou a comer carne crua de aves.

Tinha um hábito estranho ao acordar, motivo que gerou muitos desafetos, especialmente, em dois albergados, Antônio e Vitoriano, todas as manhãs as cinco em ponto, desfilava no terraço da Casa, tocando uma corneta invisível com um dedo na boca e o outro como se estiver tocando um instrumento musical, o ritmo era realmente de uma música militar. Após a corneta, a tropa já avisada que deveria levantar, ele iniciava uma canção e batendo forte com o pé direito no chão, parecia mais que queria afundar o chão. A música com sua voz de trovão, dizia assim:

“Soldado que vai a guerra

Não leva o que comer

Só leva a própria vida

“E essa mesma vai perder.”

Eram umas quatro voltas bradando essa música, mãos em continências, parecia mais um pelotão marchando, estremecia as paredes, pancada forte no chão, bem cadenciado até o final do terraço, contudo, dois Idosos o aguardavam cada um com um cabo de vassoura, pedindo que parasse ou iam resolver na violência.

Manoel respondia:

- “Nada impede o Exército de marchar, nem a chuva, nem à noite, nem a tempestade, nada tememos, muito menos dois velhos aleijados, sonolentos e assanhados.”.

Os dois Idosos, nesse cenário, começavam a rir e até admiravam sua audácia, citação, determinação, disciplina, intrepidez em servir ao Braço Forte e Mão Amiga.

Certa manhã chega à Casa do Caminho, nosso irmão Wilson Dantas Pedrosa e começa um papo com Manoel, relatando as cobras imensas, de mais de cinco metros de comprimento que matou e que alegrava o quartel cantando e tocando sua sanfona.

No outro dia, Wilson traz uma sanfona imensa para Manoel tocar, quando coloca a sanfona em Manoel, sua cabeça fica abaixo da sanfona. Era grande e ele disse que não tocada na grande, mas nos foles de oito baixos.

- Se é assim, não tem problema, trago a de oito baixos.  - Disse Wilson.

Novamente, persistente, vem Wilson com o fole de oito baixos e entrega a Manoel.

Começou a examinar o fole, abre e fecha, mas não consegue tocar, pois, precisa exercitar os dedos.

Wilson afirma que o fole é dele e que pode exercitar a vontade, sendo a partir daquele dia mais um divertimento para Manoel, que passou a admirar cada vez mais o gesto fraterno e amigo de Wilson.

Outro fato interessante ocorreu em uma visita dos Idosos ao sítio de Wilson, localizado depois de Aparecida (PB), época da safra de manga, e, após o café da manhã, com café, leite, queijo, bolacha e pão, saímos em direção aos pés de manga, quando chega um aviso de que dos cinco sacos de manga colhidos, uma cobra enorme tinha chupado dois sacos de manga.

Wilson dirige-se para seu Manoel e pergunta:

- É melhor voltar Manoel?

-Certamente vocês não me conhecem, fui treinado no Exército, vamos em frente.

Seu Gentil pondera:

- Seu Manoel, o senhor tomou café agora, não será melhor espera o café esfriar?

Seu Manoel responde:

Tem razão, vamos aguardar um pouco enquanto esfria o café,

Gentil sugere:

- Não é melhor tirar a camisa?

- Com certeza, esfriará mais rápido. Responde Manoel.

Passado alguns minutos, todos em silêncio, seu Manoel convoca aos presentes a enfrentar a cobra, partindo na frente.

Era realmente bravo, valente, corajoso, destemido.  O argumento da cobra foi uma sugestão de Wilson.

E a manhã foi maravilhosa sob as sombras das mangueiras ao lado de um homem admirável.

Zelito Facundo ouviu, no dormitório, um relato de seu Manoel para outro Idoso, quando no quartel, à noite, em substituição a um soldado cansado, quando um vulto se aproxima de sua guarda:

- Quem vem lá? - Ele com voz enérgica.

- Quem vem lá?  Pare!  Ou vou atirar!

 Engatilha a arma para disparar e o vulto retorna.

No outro dia, soube que era o comandante do quartel que estava testando sua conduta. Foi elogiado pela maneira como se comportou.

São muitos os episódios de Manoel e fica nossa admiração pelo Exército do Amor que hoje está alistado lá no Alto, cuja sublime missão não será mais batalhas duras, odiosas, sanguinolentas daqui da Terra, ao contrário, ocorrerá o fiel cumprimento do código celeste, Universal, do Evangelho de Jesus.  

Nosso parecer pressupõe um ser humano muito acima da média, pois, desconhecia derrotas, incorporou em si um imenso desejo de ser útil, de contribuir com o bem, salvaguardou sua ingenuidade na operosidade e disciplina do trabalho.

Walter Sarmento de Sá Filho

 

Washington Marques (viu!?) admirando a Casa do Caminho, à época, projetada no plano espiritual, hoje materializada por mãos que amam.



"Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim." Paulo.  Gálatas 2:20

 

 

"A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa, não trata com leviandade, não se ensoberbece." - Paulo. (I CORÍNTIOS, 13:4.)

 

"Que o Senhor dirija os vossos corações para o amor de Deus e a paciência de Cristo."

2 Tessalonicenses 3:5

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