Autoconhecimento
A pedra de toque da
felicidade
Christiano
Torchi
christiano.torchi@gmail.com
Resumo
O presente texto é um modesto ensaio
na tentativa de conceituar um tema caro ao Espiritismo: o autoconhecimento. Faz
um paralelo entre o autodescobrimento e a felicidade, expondo os benefícios que
pode desfrutar a pessoa que se dispõe a fazer uma incursão pelo interior de si
mesma, bem assim demonstrando que o Espiritismo oferece recursos de excelência
para esse propósito, com vistas à busca do verdadeiro sentido da vida, e que,
uma vez encontrado, coloca o homem em condições de entender que ele é o artífice
do próprio destino.
Palavras-chave
Autoconhecimento; felicidade; imortalidade;
perfeição.
•
Atribui-se a Mark Twain (1835–1910),
escritor norte-americano, a seguinte citação, embora se desconheçam fontes que
comprovem essa autoria: “Os dois dias mais importantes de sua vida são: o dia
em que você nasceu e o dia em que você descobre o porquê”.¹
Esta impactante frase remete ao
pensamento do Espírito Joanna de Ângelis, segundo o qual, “[…] sem uma visão
espiritual da existência física, a própria vida permaneceria sem sentido ou
significado”.²
Eis a primeira descoberta que abre o
portal do autoconhecimento: somos Espíritos, ora habitando um corpo físico, ora
desligado dele. Conhecedores de que os Espíritos sobrevivem à morte física,
logo, nos damos conta de que somos imortais! E por que é tão importante esse
descobrimento? Sabendo-nos Espíritos imortais, temos a oportunidade de não mais
centralizar os nossos interesses exclusivamente nos valores materiais.
Em que isso influencia na qualidade
dos relacionamentos sociais e profissionais, enfim, na qualidade das decisões
tomadas pelo indivíduo no dia a dia? A resposta a essa pergunta é consenso
entre os religiosos em geral: as pessoas que genuinamente cultivam os valores
espirituais são muito mais felizes do que aquelas que centralizam todos os seus
interesses exclusivamente nos valores materiais. E qual seria a razão desse
fenômeno?
Para entendermos melhor essa questão,
convém refletir um pouco sobre o significado da felicidade. De acordo com o
senso comum, a felicidade seria o estado durável de satisfação, de emoções
positivas, tais como o contentamento e o bem-estar físico, espiritual e
material.
Entretanto, no sentido filosófico, a
felicidade possui um alcance muito mais profundo, que tem tudo a ver com o
auto-conhecimento, com a busca da verdade. Quando os repórteres noticiam a
desencarnação de alguém, invariavelmente, dizem: “fulano foi sepultado”;
raramente dizem que “o corpo de fulano foi sepultado”. Para o espectador menos
atento, passa a impressão de que a vida daquela pessoa encerrou ali, não mais
existe, acabou, porque se resumia no corpo físico, que foi inumado. Essa,
convenhamos, é uma visão reducionista da existência e que tem sido a causa de
numerosos sofrimentos da raça humana.
Pierre Teilhard de Chardin
(1881–1955), teólogo católico francês, teria dito, alhures, célebre frase,
igualmente sem fontes que confirmem a autoria, mas válida independentemente de
quem a proferiu: “não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual;
somos seres espirituais vivendo uma experiência humana”. Tal máxima, analisada
sob a óptica espírita, poderia ser interpretada assim: somos originários do
Mundo Espiritual, nossa pátria verdadeira, que tem como corolário a
reencarnação.
Ora, e por que, sendo Espíritos,
temos necessidade de estagiar no mundo físico? Eis o segredo da felicidade:
compreender a nossa natureza espiritual e encontrar o verdadeiro sentido da
vida, a finalidade superior de nossa existência.
Todos renascemos com determinada
missão, passando por inúmeras provas, com a finalidade de nos instruirmos e
conquistarmos progressivamente a perfeição, que nos aproxima da verdade e do
Criador.
Na questão 115 de O livro dos espíritos, encontramos ensinamento
lapidar que embasa estas conclusões:
“Deus criou todos os Espíritos
simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu uma missão, com
o fim de esclarecê-los e de fazê-los chegar progressivamente à perfeição, pelo
conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Para eles, a
felicidade eterna e sem mescla consiste nessa perfeição. Os Espíritos adquirem
esses conhecimentos, passando pelas provas que Deus lhes impõe. Uns aceitam
essas provas com submissão e chegam mais depressa à meta que lhes foi
destinada. Outros só a suportam murmurando e assim, por culpa sua, permanecem
afastados da perfeição e da prometida felicidade.”³ (Grifo nosso).
É sabido que a felicidade não é
dispor de riqueza material suficiente que nos garanta todas as regalias e
prazeres que o dinheiro pode proporcionar, nem é uma atividade mística de
caráter alienante ou passivo, de fuga dos problemas do cotidiano, numa ilha de
paz e tranquilidade. É, antes de tudo, no sentido aristotélico, uma atividade
da alma ligada à conquista das virtudes, que nos ensina a organizar os desejos
de forma racional, induzindo-nos a florescer o que há de melhor em nós.
Quando descobrimos quem somos, de
onde viemos e para onde vamos e qual o significa[1]do de nossa estada no mundo,
as chances de sermos felizes aumenta exponencialmente, porque adquirimos o
senso das proporções, que nos permite avaliar ou medir o real valor da
existência e fazer a melhor escolha possível no exercício de nosso
livre-arbítrio.
Seres espirituais em desenvolvimento
que somos, necessitamos de constantes cuidados para ascendermos em nossa jornada
evolutiva. Se o corpo físico necessita de alimento material para desempenhar as
funções vitais, o Espírito também necessita de provisões para desenvolver as
faculdades intelectuais e morais, a fim de despertar as suas potencialidades
latentes.
O alimento da alma é tudo aquilo que
não é do corpo, que diz respeito ao crescimento moral. Diz-se isso sem qualquer
desprezo ao organismo biológico, essa máquina maravilhosa, que é instrumento
precioso dessas mesmas conquistas morais.
Das palavras atribuídas a Salomão,
em Eclesiastes, “[…] ‘A felicidade não é deste mundo’
[…]”, assim interpretadas pelo Espírito cardeal Morlot, em O evangelho segundo o espiritismo,⁴ deduzimos que não é possível conquistá-la sem esforço próprio, sem
autoconhecimento. O fato de a Terra ser um lugar de provas e expiações não
constitui empe[1]cilho irremovível à conquista da felicidade. Pelo contrário,
as condições adversas de um mundo ainda hostil ao cultivo dos valores
espirituais, constituem um laboratório propício, que nos estimula a lutar para
vencermos os desafios da existência, para exercitarmos os potenciais do
espírito.
A Lei Natural é o alicerce de todo o
edifício moral, que é a Lei de Deus, a única ver[1]dadeira para a felicidade do
homem, que lhe indica “[…] o que deve fazer ou não fazer […]” e que mostra que
“[…] ele só é infeliz porque dela se afasta”.⁵ Somente o esforço
do autoaperfeiçoamento nos conduz ao progresso real, que se dá por meio da prática
de duas virtudes fundamentais:
Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, isto é,
nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho. Em todos os seus
ensinos, Ele aponta essas duas virtudes como as que conduzem à eterna
felicidade […].⁶ (Grifo nosso).
A sublimidade da virtude consiste no
sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo, “[…] sem segundas
intenções […]”.⁷ Sim, a conquista de tais valores não
é fácil – bem o sabemos –, mas não estamos sós nessa empreitada. Deus nos
concede inúmeros recursos para vencermos nossas mazelas, entre eles a
assistência dos bons Espíritos, com os quais podemos nos contatar por meio da
prece sincera e humilde.
Em todos os lugares e situações em
que estivermos, jamais estaremos desassistidos da Providência Divina, que
designa a cada um de nós um guia espiritual que nos orienta diuturnamente, sem
violentar nosso livre-arbítrio e nossa autonomia moral.
Tome-se como exemplo o exercício das
profissões de qualquer especialidade, em que, sem o saber, recebemos auxílio
constante, desde que estejamos receptivos às sugestões que nos chegam por meio
de sutis pensamentos, que podem ser potencializados por meio de uma singela
oração. Em qualquer ramo profissional, sobretudo naqueles que lidam diretamente
com as experiências humanas, é fundamental, para o êxito de qualquer cometimento,
que estejamos sintonizados com essas forças superiores, sempre alinhadas com os
deveres morais, com o que é justo, ético e bom.
Indagados por Kardec se haveria uma
medida comum de felicidade para todos os ho[1]mens, os benfeitores deram esta
reposta magistral:
“Para a vida material, é a posse do
necessário; para a vida moral, a consciência tranquila e a fé no futuro.”⁸
O homem é, quase sempre, o artífice
de seus sofrimentos materiais e morais, sobretudo desses últimos, pois todas as
paixões, tais como o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da
avareza, a inveja, o ciúme, constituem torturas da alma, suplícios voluntários
que cria para si mesmo. Em suma, geralmente a infelicidade do homem resulta da
importância exagerada que ele dá às coisas deste mundo.
Para superar tais adversidades, Deus
também colocou à disposição das criaturas humanas a consolação, a esperança e
os meios objetivos de atenuar e até eliminar os sofrimentos, como bem o expõe a
Doutrina Espírita.
Nesse sentido, o Espiritismo é o
Consolador prometido por Jesus, porque, demonstrando a imortalidade e a Lei do
Progresso, dá ao homem a certeza de um futuro melhor e do verdadeiro sentido da
existência, contribuindo para o autoconhecimento de cada indivíduo.
De tudo que foi dito, conclui-se que
o autoconhecimento é indissociável da felicidade, a qual é proporcional à
elevação intelecto-moral dos Espíritos. É um estado d’alma que resulta da
compreensão das Leis Divinas que levam ao autodescobrimento. O homem passa a
vida procurando a felicidade, sem saber que ela mora dentro de si. Esse
panorama somente mudará quando o ser humano se descobrir como o dono de seu
próprio destino e agir no sentido de administrar bem a sua vida, procurando
libertar-se gradativamente da influência das paixões que o retêm nas faixas do
instinto, em que se prioriza a satisfação fugaz de todos os seus desejos.
Por tudo que se viu, conclui-se que o
autoconhecimento induz à felicidade, condição interna do indivíduo, a qual
vamos conquistando, gradativamente, à medida que nos aprofundamos na longa e
difícil jornada do conhecimento de nós mesmos, que não prescinde das
experiências humanas, na convivência consigo mesmo e com o próximo.
REFERÊNCIAS:
¹ Disponível em https://kdfrases.com/frase/107694.
Acesso em: 27 ;jan. 2021.
² FRANCO, Divaldo P. Autodescobrimento: uma busca interior. Pelo
Espírito Joanna de Angelis. (Série Psicológica Joanna de Ângelis, v. 6). 17.
ed. Salvador: LEAL, 2013. Autodescobrimento: uma Busca Interior [prefácio].
³ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 4. ed. 9. imp. Brasília: FEB. 2020.
⁴ ._____O evangelho segundo o
espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 10. imp. Brasília:
FEB, 2020. cap.5, it. 20.
⁵ ._____ O
livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 9. imp. Brasília:
FEB. 2020. q. 614.
⁶ ._____O evangelho segundo o
espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 10. imp. Brasília:
FEB, 2020. cap. 15, it. 3.
⁷ ._____ O
livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 9. imp. Brasília:
FEB. 2020. q. 893.
⁸ ._____ ._____ q. 922