domingo, 31 de julho de 2016


 

Meditação

 

 

Quando, nas horas de íntimo desgosto, o desalento te invadir a alma e as lágrimas te aflorarem aos olhos, busca-me: "eu sou aquele que sabe sufocar-te o pranto e estancar-te as lágrimas."

Quando te julgares incompreendido dos que te circundam e vires que em torno há indiferença, acerca-te de mim: "eu sou a luz, sob cujos raios te aclaram a pureza de tuas intenções e a nobreza de teus sentimentos!"

Quando se te extinguir o ânimo para arrostares as vicissitudes da vida e te achares na iminência de desfalecer, chama-me: "eu sou a força capaz de remover-te as pedras do caminho e sobreporte às adversidades do mundo!"

Quando inclementemente te açoitarem os vendavais da sorte e se já não souberes onde reclinar a cabeça, corre para junto de mim: "eu sou o refúgio em cujo seio encontrarás guarida para teu corpo e tranqüilidade para teu espírito!..."

Quando te faltar a calma, nos momentos de maior aflição e te considerares incapaz de conservar a serenidade de espírito, invoca-me: "eu sou a paciência que te faz vencer os transes mais dolorosos e triunfar nas situações mais difíceis."

Quando te debateres nos paroxismos da dor e tiveres a alma ulcerada pelos abrolhos, grita por mim: "eu sou o bálsamo que cicatriza as chagas e te minora os padecimentos!"

Quando o mundo te iludir com suas promessas falazes e perceberes que ninguém pode inspirar-te confiança, vem a mim: "eu sou a sinceridade que sabe corresponder à franqueza de tuas atitudes e à excelsitude de teus ideais!"

Quando a tristeza e a melancolia te povoarem o coração e tudo te causar aborrecimento, chama por mim: "eu sou a alegria que insufla um alento novo e te faz conhecer os encantos do teu mundo interior!"

Quando, um a um, te fenecerem os ideais mais belos e te sentires no auge do desespero, apela por mim: "eu sou a esperança que te robustece a fé e te acalenta os sonhos!"

Quando a impiedade recusar-se a relevar-te as faltas e experimentares a dureza do coração humano, procura-me: "eu sou o perdão que te levanta o ânimo e promove a reabilitação do teu espírito!"

Quando duvidares de tudo, até de tuas próprias convicções, e o ceticismo te avassalar a alma, recorre-te a mim: "eu sou a crença que te inunda de luz e entendimento e te habilita para a conquista da felicidade!"

Quando já não provares a sublimidade de uma afeição terna e sincera e te desiludires do sentimento do teu semelhante, aproxima-te de mim: "eu sou a renúncia que te ensina a olvidar a ingratidão dos homens e a esquecer a incompreensão do mundo!"

E quando, enfim, quiseres saber quem sou, pergunta ao riacho que murmura e ao pássaro que canta, à flor que desabrocha e à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho que recorda.

"Chamo-me amor, o remédio para todos os males que te atormentam o espírito! Eu sou Jesus!"

Emmanuel

sábado, 30 de julho de 2016


Indagações a nós mesmos

Maria Dolores

 

Que seremos na casa de nossa fé, em companhia daqueles que comungam conosco o mesmo ideal e a mesma esperança?

Uma fonte cristalina ou um charco pestilento?

Um sorriso que ampara ou um soluço que desanima?

Uma abelha laboriosa ou um verme roedor?

Um raio de luz ou uma nuvem de preocupações?

Um ramo de flores ou um galho de espinhos?

Um manancial de bênçãos ou um poço de águas estagnadas?

Um amigo que compreende e perdoa ou um inquisidor que condena e destrói?

Um auxiliar devotado ou um espectador inoperante?

Um companheiro que estimula as particularidades elogiáveis do serviço ou um censor contumaz que somente repara imperfeições e defeitos?

Um pessimista inveterado ou um irmão da alegria?

Um cooperador sincero e abnegado ou um doente espiritual, entrevado no catre dos preconceitos humanos, que deva ser transportado em alheios ombros, à feição de problema insolúvel?

 

Indaguemos de nós mesmos, quanto à nossa atitude na comunidade a que nos ajustamos, e roguemos ao Senhor para que o vaso de nossa alma possa refletir-lhe a Divina Luz.

 

EDUCANDÁRIO DE LUZ

 
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

ESPÍRITOS DIVERSOS






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23/07/2016 06:00 – 30/07/2016 05:00

 

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sexta-feira, 29 de julho de 2016

FUGA

 

 

Os cristãos antigos viram companheiros que desertavam da luta, a pretexto de ouvir o Senhor no silêncio da clausura e na quietude das terras de ninguém, supondo erroneamente que as sombras da tentação enxameiassem à distância deles próprios.

Foram eles os anacoretas de todos os matizes que lançaram as bases do retiro espiritual que, ainda hoje, se ergue em numerosas instituições que atravessaram os séculos.

Hoje, porém, conhecemos os cristãos que fogem apavorados de si mesmos, não mais buscando o silêncio inútil do espaço ermo, mas, sim, o ruído ensurdecedor do mundo externo, em cujos entretenimentos pretendem esquecer as obrigações que o Senhor lhes confia.

Muitos adotam o mergulho nos prazeres sensoriais acordando com o tédio a envenenar-lhes o dia, enquanto outros muitos avançam aos negócios da falaciosa riqueza humana, despertando nos dolorosos pesadelos da penúria espiritual em que se lhes aniquilam todos os sonhos.

Legiões deles buscam ouvir amigos desencarnados, com receio do próprio julgamento, ao passo que longas filas desses irmãos desavisados se atiram ao sorvedouro das mais perigosas ilusões, temendo a verdade que lhes brada advertências no próprio seio.

Antigamente, fugia o aprendiz do Evangelho das linhas atormentadas da luta humana, procurando escutar o Senhor.

Hoje, retiram-se numerosos deles do templo da responsabilidade, com medo da própria consciência.

Seja qual for o campo de serviço e provação a que foste trazido, não abandones o arado do dever, alegando incapacidade ou fraqueza na tarefa que nos cabe cumprir.

Lembremo-nos de que Deus não nos concede problemas de que não estejamos necessitados e, por isso, transformando as dificuldades da vida em preciosas lições, saibamos extrair de todas elas a divina luz da experiência que nos habilitará o espírito ao afastamento do abismo da sombra e do escuro vale da morte.
 
Emmanuel

quinta-feira, 28 de julho de 2016


CARIDADE DO ENTENDIMENTO

 

Emmanuel

 

Na sustentação do progresso espiritual precisamos tanto da caridade quanto o ar é necessário ao equilíbrio da vida orgânica.

Lembra-te de que a interdependência é o regime instituído por Deus para estabilidade de todo o Universo e não olvides a compreensão que devemos a todas as criaturas.

Compreensão que se exprima, através de tolerância e bondade incessantes, na sadia convicção de que auxiliando aos outros é que poderemos encontrar o auxílio indispensável à segurança de nossa marcha.

À frente de qualquer problema complexo naqueles que te rodeiam, recorda que não seria justa a imposição de teus pontos de vista para que se orientem na estrada que lhes é própria.

O Criador não dá cópias e cada coração obedece a sistema particular de lutas evolutivas.

Só o amor, desse modo, é o clima adequado ao entrelaçamento de todos os seres da Criação e somente através dele integrar-nos-emos na Sinfonia Excelsa da Vida.

Guarda, portanto, em todas as fases de teu caminho a caridade que identifica a presença do Senhor nos caminhos alheios, respeitando-lhes a configuração em que se apresentem.

Não te esqueças de que ninguém é ignorante porque o deseje e, estendendo fraternos braços aos que respiram atribulados na sombra, diminuirás a penúria que se extinguirá, por fim, no mundo, quando cada consciência ajustar-se à obrigação de servir sem mágoa e sem exigência, na certeza de que apenas amando e auxiliando sem reclamar é que permaneceremos felizes e valorosos na Soberana Ascensão para Deus.

quarta-feira, 27 de julho de 2016





 Examina a própria aflição
 

Examina a própria aflição para que não se converta a tua inquietude em arrasadora tempestade emotiva.

Todas as aflições se caracterizam por tipos e nomes especiais.

A aflição do egoísmo chama-se egolatria.

A aflição do vício chama-se delinquência.

A aflição da agressividade chama-se cólera.

A aflição do crime chama-se remorso.

A aflição do fanatismo chama-se intolerância.

A aflição da fuga chama-se covardia.

A aflição da inveja chama-se despeito.

A aflição da leviandade chama-se insensatez.

A aflição da indisciplina chama-se desordem.

A aflição da brutalidade chama-se violência.

A aflição da preguiça chama-se rebeldia.

A aflição da vaidade chama-se loucura.

A aflição do relaxamento chama-se evasiva.

A aflição da indiferença chama-se desânimo.

A aflição da inutilidade chama-se queixa.

A aflição do ciúme chama-se desespero.

A aflição da impaciência chama-se intemperança.

A aflição da sovinice chama-se miséria.

A aflição da injustiça chama-se crueldade.

Cada criatura tem a aflição que lhe é própria.

A aflição do reino doméstico e da esfera profissional, do raciocínio e do sentimento...

Os corações unidos ao Sumo Bem, contudo, sabem que suportar as aflições menores da estrada é evitar as aflições maiores da vida e, por isso, apenas eles, anônimos heróis da luta cotidiana, conseguem receber e acumular em si mesmos os talentos de amor e paz reservados por Jesus aos sofredores da Terra, quando pronunciou no monte a divina promessa: — “Bem-aventurados os aflitos!”

 

Do cap. 10 do livro Religião dos Espíritos, de Emmanuel, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
 
 

terça-feira, 26 de julho de 2016

PORQUE, SENHOR?


... E Nicodemos, o grande Nicodemos dos dias primeiros do Evangelho, passou a contarnos;
- Depois da aparição do Senhor aos quinhentos da Galiléia, certo dia, ao entardecer, detive-me à beira do lago de suas pregações, rogando a Ele me dissipasse as dívidas.
Ante os ensinamentos divinos, eu experimentava o entrechoque em torno das idéias de justiça e misericórdia, responsabilidade e perdão... De que maneira conciliar o bem e o mal? como estabelecer a diferença entre prêmio e castigo? Atormentado, perante as exigências da Lei de que eu era intérprete, supliquei-lhe a palavra e eis que, de súbito, o Excelso Benfeitor apareceu junto de mim... Prostrei-me na areia e Jesus, aproximando-se, tocou-me, de leve, a cabeça fatigada, e inquiriu:
- Nicodemos, que pretendes de mim?
- Senhor – explique -, tenho o pensamento em fogo, tentando discernir sobre retidão e delinquência, bondade e correção... Porque te banqueteaste com pecadores e tanta vez te referiste, quase rudemente, aos fariseus, leais seguidores de Moisés? Acaso, estão certas as pessoas de vida impura, e erradas aquelas outras que se mostram fiéis à Lei?
Jesus respondeu com inflexão de brandura inesquecível:
- Nunca disse que os pecadores estão no caminho justo, mas afirmei que não vim ao mundo socorrer os sãos, e sim os enfermos. Quanto aos princípios de santidade, que dizer dos bons que detestam os maus, dos felizes que desprezam os infelizes, se todos somos filhos de Deus? de que serve o tesouro enterrado ou o livro escondido no deserto?
- Messias – prosseguiu -, porque dispensaste tanta atenção a Zaqueu, o rico, a ponto de lhe compartilhares a mesa, sem visitar os lares pobres que lhe circundam a moradia?
- Estive com a multidão, desde as notícias iniciais do novo Reino!... Relativamente a
Zaqueu, é ele um rico que desejava instruir-se, e furtar a lição, àqueles amigos a quem o
mundo apelida de avaros, é o mesmo que recusar remédio ao doente...
- E as meretrizes, Senhor? porque as defendeste?
- Nicodemos, na hora do Juízo Divino, muitas dessas mesmas desventuradas mulheres, que censuras, ressurgirão do lodo da angústia, limpas e brilhantes, lavadas pelo pranto e pelo suor que derramarem, enquanto que aparecerão pejados de sobra e lama aquelas que lhes prostituíram a existência, depois de lhes abusarem da confiança, lançando-as à condenação e à enfermidades.
- Senhor, ouvi dizer que deste a Pedro o papel de condutor dos teus discípulos... Porquê? não é ele o colaborador que te negou três vezes?!
- Exatamente por isso... Na dor do remorso pelas próprias fraquezas, Simão ganhará mais força para ser fiel... Mais que os outros companheiros, ele sabe agora quanto custa o sofrimento da deserção...
- Mestre, e os ladrões do último dia? porque te deixaste imolar entre dois malfeitores? e porque asseguraste a um deles o ingresso no paraíso, junto de ti?
- Como podes julgar apressadamente a tragédia de criaturas cuja história não conheces desde o princípio? Não acoberto os que praticam o mal; no entanto, é preciso saber até que ponto terá alguém resistido à tentação e ao infortúnio para que se transformam em vítimas do próprio desequilíbrio e há empreiteiros da fome que responderão pela crueldade com que sonegam o pão... Com referência ao amigo a quem prometi a entrada imediata na Vida Superior, é verdade que assim o fiz, mas não disse para quê... Ele realmente foi conduzido ao Mundo Maior para ser reeducado e atendido em suas necessidades de erguimento e transformação!...
- Senhor – insistiu -, e a responsabilidade com que nos cabe tratar da justiça? porque pediste perdão ao Todo-Poderoso para os próprios carrascos, quando dependurado na crus do martírio, inocentando os que te espancavam?
- Não anulei a responsabilidade em tempo algum... Roguei, algemado à cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem...” Com isso, não asseverei que os nossos adversários gratuitos estivessem fazendo o que deviam fazer... Esclareci, tão-só, que eles não sabiam o que estavam fazendo e, por isso mesmo, se revelavam dignos da maior compaixão!...
Ante as palavras do Senhor – concluiu o antido mestre de Israel -, as lágrimas me subiram das entranhas da lama para os olhos... Nada mais vi que não fosse o véu diáfano do pranto, a refletir as sombras que anunciavam a noite... Ainda assim, ouvi, como se o Senhor me falasse longe, muito de longe:
- Misericórdia quero, não sacrifício...
Nesse ponto da narrativa, Nicodemos calou-se. A emoção sufoca a voz do grande instrutor, cuja presença nos honrava a mansão espiritual. E, quanto a nós, velhos julgadores do mundo, que o ouvíramos atentos, entramos todos em meditação e silêncio, de vez que ninguém apareceu em nossa tertúlia íntima com bastante disposição para acrescentar palavra.
 
Estante da vida - Irmão X

segunda-feira, 25 de julho de 2016


Preparação para a reencarnação (retorno à Terra)

 

Pólux soluçou convulsivamente.

Esperar-te-ei — disse ela — através dos caminhos do Infinito. Lutarei ao teu lado nos dias mais ásperos, dar-te-ei as mãos sobre os abismos tenebrosos.

Perdoaste-me, como sempre? interrogou Pólux, voz entrecortada pela emoção do encontro.

Os que se amam fundem as almas no en­tendimento recíproco. Deus perdoa, concedendo-nos a oportunidade da redenção, e nós nos compreende­mos uns aos outros.

E, evidenciando o desejo de restaurar as ener­gias do amado, continuou:

 

Quantas vezes também caí nas estradas longas e ríspidas. Acaso tenho um passado sem mácula?... Não és o único a padecer nos resgates justos e penosos. Milhões de almas, neste mesmo instante, clamam as desventuras do remorso e in­vocam as bênçãos do Altíssimo para o trabalho retificador. E não será razão de infinita alegria a certeza da concessão divina para recomeçar? Já recebeste a permissão do Senhor para o reinício da luta, avizinha-se o instante bendito do retorno à tarefa e pensaste, acaso, nas torturas imensas de quantos, neste minuto, se sentem oprimidos e amar­gurados, na expectativa ansiosa de alcançar a dá­diva que já obtiveste?.

Pólux contemplou-a reconfortado, mas, objetou melancolicamente

Ah! sinto que poderia atingir culminâncias nas necessárias reparações; entretanto, Alcione, precisava para isso da tua constante assistência. Sei que preciso recorrer a provas difíceis de abnegação e de ascetismo, mas... se pudesse, ao menos, ver-te na Terra... Serias, para a minha tarefa, a radiosa estrela d’Alva e, à noite, quando fluíssem do céu as bênçãos da paz, lembrar-me-ia de ti e encontraria nessa recordação o manancial da cora­gem e dos estímulos santos!.

Ela pareceu meditar profundamente e re­darguiu:

Implorarei a Jesus me conceda a alegria de voltar à Terra a fim de atender ao meu ideal, que se constitui, aos meus olhos, de sacrossantos deveres.

Tu! Voltares? — perguntou o precito, ébrio de esperança.

Por que não? — explicou Alcione com mei­guice. — O planeta terrestre não será um local situado igualmente no Céu? Esqueceste o que a Terra nos tem ensinado qual mãe carinhosa, na grandeza de suas experiências? Muitas vezes, nós, na qualidade de filhos dela, manchamos-lhe a face generosa com delitos execráveis e, entretanto, foi em seu seio que o Mestre surgiu na manjedoura singela e levantou a cruz divina, encaminhando-nos ao serviço da remissão.

Ah! se Deus permitisse ao mísero penitente que sou — disse Pólux dominado por indisfarçável alegria — a ventura de ouvir-te no estreito circulo terrestre, acredito que nada teria a temer na senda reparadora...

Alcione notou-lhe o surto de alegria transbor­dante e, ponderando-lhe as observações, palavra por palavra, obtemperou:

- Antes da minha, precisarás ouvir a voz do Cristo, e se Ele com sua infinita bondade permitir minha volta à Terra, jamais olvidemos que vamos lá regressar, não para auferir gozos prematuros, mas para sofrer juntos no caminho redentor, até podermos desferir o vôo supremo de felicidade e união, em demanda de esferas mais altas. Na obra de Deus, a paz sem trabalho é ociosidade com usur­pação. Não afastes os olhos do quadro de sacrifí­cios que nos compete fazer a favor de nós mesmos!

Sim, Alcione, tu és o meu anjo bom — mur­murou ele entre lágrimas. — Ensina-me a percorrer as estradas depuradoras. Não me desampares. Dize-me como devo proceder na Terra. Repete que te não afastarás do meu caminho. Inspira-me o desejo santo de resgatar meus pesados débitos, até ao fim...

Sentado, em atitude humilde, o mísero sofredor guardava a cabeça entre as mãos, enxugando as lágrimas copiosas.

Alcione afagou-lhe os cabelos com ternura e falou docemente:

Não temas a prova de purificação que te conduzirá ao júbilo na senda eterna, O cálice do remédio deve ser estimado por sua virtude cura­tiva, não pelo travo do conteúdo, que apenas produz a penosa sensação de alguns segundos. Sê reconhe­cido a Deus nos sacrifícios, Pólux! Não desejes, nem esperes regalias na escola de edificação, onde o próprio Mestre encontrou a bofetada e a cruz do martírio. Não escutes as falsas promessas nem atendas aos caprichos perniciosos que nascem do coração. Obedece ao Pai e toma Jesus por cireneu de todas as horas. A porta estreita, ainda e sempre, é o maravilhoso símbolo para a divina iluminação. Foge das fantasias envenenadas que trabalham contra as santificantes aspirações do espírito. Re­corda as angustiosas experiências que tantas vezes empreendemos na Terra, para a conquista de nossa perpétua união. Não temos sêde de enganosas sa­tisfações. Temos sêde de Deus, Pólux! O infinito amor que nos transfunde as almas tem sua origem sagrada em sua misericórdia paternal. Quero-te eternamente, como sei que a união comigo é a tua sublime aspiração: entretanto, seria justo encerrar nosso júbilo num círculo egoístico, tão somente? Amamo-nos para sempre, a eternidade nos santifica os destinos, mas o Pai está acima de nós. Entre­guemo-nos ao seu amor, no santo trabalho de suas obras. Em suas mãos augustas, meu querido, pal­pita a luz que enche os abismos. Haverá maior glória que praticar-lhe a divina vontade, que se traduz em amor, dedicação e alegria? Nos cami­nhos novos a percorrer, lembra o Pai Amado e atende-o em todas as circunstâncias. Não acalentes no coração os germes da vaidade e do egoísmo. Sacrifica-te. Dá combate a ti mesmo. Os triunfos exteriores são aparentes e podem ser mentirosos. A vitória espiritual pertence à alma heroica que soube unir-se ao céu, através de todas as tempes­tades do mundo, trabalhando por burilar-se a si própria.

Pólux chorava, compungidamente, mas rogou com expressão comovedora:

     Compreendo-te as palavras sábias e afetuo­sas! Farei tudo por unir-me a Deus e a ti, eternamente.­ Pede por mim a Jesus para que eu tenha reflexão e bondade no mundo...

No entanto, como se experimentasse um cho­que inesperado, levou as mãos ao peito, calou-se por momentos, para depois retomar a palavra, espan­tado e hesitante:

Alcione, querida, não sei se a emoção desta hora divina abalou minhas energias mais profun­das; contudo, sinto que algo me envolve a fronte, uma fôrça incoercível parece ameaçar o cérebro vacilante: experimento penosas sensações, como quando perdemos as forças devagarinho, antes de cair...

 

Livro Renúncia, de Emmanuel, pág. 10 e 11, psicografia de Chico Xavier.

domingo, 24 de julho de 2016


VELHAS RECORDAÇÕES

 

       Quem poderá deter as velhas recordações que iluminam os caminhos da eternidade?

       Lembramo-nos de Alcione, desde os dias de sua infância. Muitas vezes a vi, com o Padre Damiano, num velho adro de Espanha, passeando ao pôr do Sol.

       Não raro, levantava o semblante infantil para o céu e perguntava, atenciosa:

       — Padre Damiano, quem terá feito as nuvens, que parecem flores grandes e pesadas, que nunca chegam a cair no chão?

       Deus minha filha — dizia o sacerdote.

       Mas, como se no coração pequenino não devesse existir esquecimento das coisas simples e humildes, voltava ela a interrogar:

       E as pedras? — quem teria criado as pedras que seguram o chão?

       — Foi Deus também.

       Então, após meditar de olhos mergulhados no grande crepúsculo, a pequenina exclamava:

       — Ah! como Deus é bom! Ninguém ficou es­quecido!

       E era de ver-se a sua bondade singular, o inte­resse pelo dever cumprido, dedicação à verdade e ao bem.

Cedo compreendi que a família afetuosa de Ávila se constituía de amizades vigorosas, cujas ori­gens se perdiam no tempo.

Os anos — minutos do relógio da eternidade —correram sempre movimentados e cheios de amor. A criança de outros tempos tornara-se na benfeitora cheia de sabedoria. Sua vida não representava um feixe de atos comuns, mas um testemunho perma­nente de sacrifícios santificantes. Desde a primeira juventude, Alcione transformara-se em centro de afeições, em fonte de luz viva, onde se podiam vis­lumbrar as claridades augustas do Céu. Sua condu­ta, na alegria e na dor, na facilidade e no obstáculo, era um ensinamento generoso, em todas as circuns­tâncias.

Creio mesmo que ela nunca satisfez a um desejo próprio, mas nunca foi encontrada em desatenção aos desígnios de Deus. Jamais a vi preocupada com a felicidade pessoal; entretanto, interessava-se com ardor pela paz e pelo bem de todos. Demonstrava cuidado singular em subtrair, aos olhos alheios, seus gestos de perfeição espiritual, porém queria sempre revelar as idéias nobres de quantos a ro­deavam, a fim de os ver amados, otimistas, felizes.

Minhas experiências rolaram devagarinho para os arcanos do Tempo, a morte do corpo arrastou-me a novos caminhos e, no entanto, jamais pude esque­cer a meiga figura de anjo, em trânsito pela Terra.

Mais tarde, pude beijar-lhe os pés e compreen­der-lhe a história divina. O resultado desse conhe­cimento vibra neste esforço singelo, que não tem pretensões a obra literária.

Este é um livro de sentimento, para quem apre­cie a experiência humana através do coração. Em particular, falará a todos os que se encontrem en­carcerados, sentenciados, esquecidos daquele amor que cobre a multidão dos pecados, consoante os ensinamentos de Jesus. A maioria dos aprendizes do Evangelho deixa-se tomar, em sentido absoluto, pelas idéias de resgate escabroso, de olho por olho, ou, então, pela preocupação de recompensas na Terra ou no Céu. Aqui, comentam-se reencarna­ções criminosas; ali, esperam-se tão só prantos amargos; além, existem corações anelantes de re­mansado e ocioso pousio. A esperança e a respon­sabilidade parecem tesouros esquecidos. É razoável que se não possa negar o caráter incorruptível da Justiça, porém, não se deverá esquecer o otimismo, a confiança, a dedicação e todas as energias que o amor procura despertar no âmago das consciências.

Para as almas sinceras, que ainda solucem nos laços do desânimo e desalento, a história de Alcione é um bálsamo reconfortador. Naturalmente que ela própria, qual amorosa visão da Espiritualidade eter­na, emergirá das páginas luminosas da sua expe­riência, perguntando ao leitor que se sinta oprimido e exausto:

— Por que reténs a noção dos castigos implacá­veis, quando Nosso Pai nos oferece o manancial inexaurível do seu amor? Por que atribuis tamanha importância ao sofrimento? Levanta-te! Esqueces­te Jesus? Já que o Mestre padeceu por todos, sem culpa, onde estás que não sentes prazer em traba­lhar, de qualquer forma, por amor ao seu nome?

A psicologia de Alcione é bem mais complexa do que se possa imaginar ao primeiro exame. Na grandeza da sua dedicação, vemos o amor renun­ciando à glória da luz, a fim de se mergulhar no mundo da morte. Com seu gesto divino, a Terra não é apenas um lugar de expiação destinado a exílio amarguroso, mas, também, uma escola sublime, dig­na de ser visitada pelos gênios celestes. Dentro dos horizontes do Planêta, ainda vigem a sombra, a morte, a lágrima... Isso é incontestável. Mas, quem seguir nas estradas que Alcione trilhou, converterá todo esse patrimônio em tesouros opinos para a vida imortal.

Aqui, pois, oferecemos-te, leitor amigo, tão ve­lhas recordações.

Crê, no entanto, que, por velhas, não são menos preciosas. São heranças sagradas do escrínio do co­ração, joias de subido valor que espalharemos a esmo, recordando que, se muita gente presume ha­ver alcançado os êxitos retumbantes e a felicidade ilusória no campo vasto do mundo, em verdade ainda não aprendeu nem mesmo a estabelecer a vitória da paz, na experiência sagrada que se veri­fica entre as paredes de um lar.

 

Pedro Leopoldo, 11 de janeiro de 1942.

 

EMMANUEL

 

Do livro Renúncia, de Emmanuel, psicografia de Paulo e Estevão