"E Pedro o seguia de longe, até
o pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se entre os criados para ver o
fim." (Mateus, 26:58)
Afirma Emmanuel que o fracasso, como qualquer êxito, tem causas positivas.
Pedro foi admoestado reiteradas vezes por Jesus no sentido de "orar e
vigiar"; e o fracasso do humilde pescador Galileu teve origem na sua
desatenção. Ninguém poderá, entretanto, "atirar-lhe a primeira
pedra", porque todos nós participamos igualmente das mesmas negações.
Ainda não aprendemos a seguir as advertências do Mestre, contidas nas páginas
dos Evangelhos.
Na descrição de Mateus, vimos Pedro "seguir o Mestre de longe", permanecer
"no pátio do sumo sacerdote" e "assentar-se entre os criados
para ver o fim".
O mesmo quadro se repete há vinte séculos, pois, ainda agora, continuamos a
seguir o Cristo à distância, temerosos de perdermos as vantagens que a vida
material nos oferece.
Quando convocados para o trabalho, geralmente demorava-nos "no pátio"
do convencionalismo terreno, onde se desenvolvem as tarefas transitórias que
constituem a preocupação primária do homem, entre "os criados" dos
interesses imediatistas e dos conchavos que levam alguns a se locupletarem à
custa dos direitos alheios, preferindo "ver de longe o fim" das
tarefas desenvolvidas pelos seareiros mais animosos.
Esse modo de agir leva muitos ao fracasso, do mesmo modo como fracassou o velho
apóstolo. Estes também chorarão amargamente quando o "cantar do galo"
anunciar-lhes que está prestes a findar-se mais uma de suas tarefas terrenas,
esvaindo-se assim mais uma oportunidade redentora de um ciclo reencarnatório.
O episódio da negação de Pedro tem
por objetivo principal demonstrar a necessidade imperiosa da "oração e
vigilância" para não se cair nas malhas das tentações oriundas das nossas
próprias inferioridades, pois, mesmo aqueles que estão colocados em posições
proeminentes no desempenho das missões terrenas, poderão tornar-se vítimas das
investidas das entidades trevosas, que tudo fazem no sentido de protelar o
processo grandioso e incessante da implantação do reinado da luz na face da
Terra.
Muitos homens fracassam porque não se revestem da couraça da fé e da decisão
inabalável de servir o Cristo no setor que lhe foi atribuído pelo Alto.
As negações ou vacilações de Pedro ocorreram em etapas distintas no decurso do
Messiado de Jesus:
A primeira, segundo a narração do próprio Mateus (16:22-23), teve lugar quando
Pedro "tomando-o de parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Senhor, tem
compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso. Ele, porém, voltando-se
disse a Pedro: "Para trás de mim, satanás, que me serves de escândalo;
porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos
homens".
A segunda ocorreu quando o Mestre, em companhia de Pedro, Tiago e João, desciam
do Monte Tabor, após a transfiguração. Os três apóstolos estavam face a face
com um dilema: o Cristo havia confabulado com o Espírito de Elias, e as
escrituras preconizavam que Elias viria na frente do Cristo a fim de
preparar-lhe o caminho. Ou as escrituras estavam erradas, ou aquele que ali
estava não era o Cristo. Se Elias era Espírito desencarnado, como poderia ser o
precursor de Jesus, que já estava entre os homens?
Daí a indagação: "Por que dizem então os escribas que é mister que Elias
venha primeiro? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá
primeiro, e restaurará todas as coisas; mas digo-vos que Elias já veio, e não o
conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também
padecer o Filho do homem. Então entenderam os discípulos que lhe falara de João
Batista." (Mateus, 17:10-13).
A terceira está contida em Lucas 22-31: "Disse também o Senhor: Simão,
Simão, eis que satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei
por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma
teus irmãos".
A quarta ocorreu quando Pedro, no pátio do sumo sacerdote, nega Jesus por três
vezes consecutivas (Lucas 22:54-62), passando a chorar amargamente quando o
cantar do galo fez com que ele se lembrasse do vaticínio do Mestre em torno do
seu fracasso.
O valoroso apóstolo de Jesus, apesar da sua idade avançada, foi com João e Tiago
um dos que gozaram de maior confiança por parte do Mestre. Os três tomaram
parte, invariavelmente, em todos os acontecimentos importantes no decurso da
missão do Mestre, e algumas das vacilações ocorridas, como pode ser visto, se
prenderam mais ao seu idealismo e ao desejo insopitável de servir a causa
esposada pelo Meigo Rabi.
No decurso do Messiado de Jesus ocorreram muitas outras negações, de muito
maior envergadura:
Os escribas e fariseus negaram o Mestre quando, apesar de todos os sinais por
ele propiciados, evidentemente corroborado pelas próprias escrituras e por
quase todos os profetas, vieram lhe pedir um sinal do céu.
Os setenta discípulos narrados por João, no versículo 60, capítulo 6, do seu
Evangelho, negaram o Cristo quando, ouvindo o seu discurso, foram se
debandando, um após outro, não se conformando com a forma de servir por ele
esboçada.
Judas Escariotes negou o Senhor quando, após ter presenciado tantos fatos
supranormais e ouvido tantos ensinamentos maravilhosos, entregou-o aos seus
verdugos a troco de trinta moedas de prata.
Quando o Mestre formulou uma convocação mais ampla a um grupo de pessoas para
que o seguisse, e um alegou que precisava primeira ir sepultar o seu pai, foi
outro que necessitava primeiro atender os reclamos da sua casa (Lucas,
9:57-61). Ocorreu ali autêntica negação.
Os próprios irmãos de Jesus negaram-no, pois João afirma em seu Evangelho
(7:5), que "nem mesmo seus irmãos criam nele".
O Mancebo de Qualidade (Lucas 18:23), de forma idêntica, negou o Mestre, quando
se retirou, após ouvir o conselho para "vender e dar aos pobres tudo
quando possuía".
Paulo Alves Godoy