sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Necessário Despertar


 
Necessário Despertar

Inúmeros candidatos ao conhecimento das informações espíritas - portadoras dos relevantes mecanismos para a reforma íntima - detêm-se, inconsequentes, na expectativa de milagres, que os não há, para a solução de problemas que eles próprios criaram e continuam gerando, ou esperam que a simples adesão formal a uma Sociedade, onde se divulga o Espiritismo, é suficiente para plenificá-los.


Fixados ao atavismo do maravilhoso e do sobrenatural, perseveram na crença leviana de que os Espíritos desencarnados tudo sabem, tudo podem , com a missão expressa de resolver as dificuldades humanas, desse modo, candidatando as criaturas à ignorância e ao atraso.


Acostumados às notícias extravagantes do misticismo que envolve a mediunidade e dos tabus em torno das comunicações espirituais, negam-se ao estudo sério, ou intentam-no, logo o abandonando, apoiados às bengalas psicológicas do comodismo de que lhes parece difícil a absorção do conhecimento espiritual, seja pela impossibilidade de manter a atenção, ou por deficiência de memória, ou ainda por perturbações de vária ordem, que afligem, adormecem, incomodam.


A argumentação simplista não procede, porquanto, em outras áreas do comportamento, seja no trabalho, no relacionamento interpessoal, nas pesquisas e cursos, se não houver um sincero interesse e legítima dedicação, ocorrem os mesmos fenômenos perturbadores, desestimulantes.
Toda experiência nova é desafio, caracterizado por dificuldades, superáveis, que mais despertam os valores morais de quem a deseja vivenciar. No que diz respeito àquelas de complexidade profunda, quais as de transformação do homem velho em um novo ser, os patamares a conquistar são múltiplos, revestidos de compreensíveis impedimentos.


Não se alteram hábitos doentios, perniciosos, de um momento para outro, com apenas a disposição, sem o correspondente esforço para consegui-lo.


A transformação interior para melhor, que o conhecimento espírita propicia, é precedida de um necessário despertar para a aceitação de novos e preciosos valores morais, que satisfazem e harmonizam a criatura.


Desse modo, ao desejo de crescimento, devem aliar-se o esforço contínuo e o devotamento às idéias renovadoras, trabalhando-se por entender as diretrizes que se lhe apresentam, experimentando e insistindo na sua implantação no mundo íntimo.


A vitória de qualquer tentame chega após a permanência na sua execução.


Substitui, mediante as informações libertadoras do Espiritismo, os velhos hábitos, um a um, adotando novo comportamento mental, e, depois, vivencial, a fim de que a renovação se te faça contínua, incessante.


Fixa-te no propósito de vencer os velhos condicionamentos e adota as propostas de ação positiva, que te auxiliarão no crescimento íntimo.

 
Liberta-te dos instrumentos frágeis de justificação, evitando as fugas psicológicas à realidade, à responsabilidade.


Insiste na lapidação das arestas grosseiras da personalidade e adapta-te ao novo modo de entender e ser, incorporando à conduta as diretrizes espirituais.
Dar-te-ás conta dos benefícios imediatos que advirão, das soluções aos problemas que surgirão, enfim, de que o empenho se coroa de êxito na razão direta do esforço encetado.


Não foi fácil a Simão Pedro transferir-se do mar da Galiléia, onde pescava com simplicidade, para a experiência difícil no oceano tumultuado da humanidade...


Foi grandemente dolorosa a transferência psíquica, emocional e humana de Saulo de Tarso, da exaltação judaica e da opulência do Sinédrio, bem como de uma família abastada, para a atividade áspera de artesão e apóstolo de Jesus...


Maceradora foi a conduta da equivocada de Magdala, ao adotar as lições do Mestre como regra de iluminação íntima, que conseguiu a duras penas...


A História está repleta de heróis da transformação para melhor, que todos respeitam, porém, são incontáveis os conquistadores anônimos do continente da alma, que estavam perdidos e se encontraram.


O Espiritismo hoje, revivendo Jesus ontem, oferece os valiosos esclarecimentos para a felicidade, a auto descoberta, a iluminação íntima libertadora.


Para consegui-lo é, primeiro, necessário despertar.

Joanna de Ângelis

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O LIVRO DOS MÉDIUNS

O melhor e mais completo guia pra médiuns
 
Por Pedro Camilo* / pedcamilo@yahoo.com.brAdvogado. Escritor e expositor espírita, é trabalhador do Núcleo Espírita Telles de Menezes, em Salvador/BA. (Ao lado, selo comemorativo, lançado pela FEB)
Fruto de um trabalho conjunto de médiuns e Espíritos, somado ao critério e observação de Allan Kardec, nenhuma obra supera até hoje O Livro dos Médiuns como orientação segura para médiuns e participantes de reuniões mediúnicas.
 
Estabelecer os critérios para uma prática segura e frutífera deve ser o objetivo de todos aqueles que pretendem se dedicar ao exercício da mediunidade ou participar de reuniões mediúnicas. Onde porém se encontram tais critérios e informações pertinentes sobre o assunto das manifestações mediúnicas?
 
Lembramos que o próprio Espiritismo nasceu das manifestações mediúnicas. Foi em razão das mesas girantes, fenômeno aparentemente insólito e que distraia os cultos e incautos na Europa da segunda metade do século 19, e dos seus posteriores desdobramentos, que o professor Denizard Rivail teve sua atenção voltada para as questões espirituais, descobrindo e sistematizando princípios nas obras que assinou com o pseudônimo de Allan Kardec.
 
Em uma dessas obras, o mestre francês registrou um excelente estudo sobre a mediunidade. Embora em contato direto com os fenômenos desde 1855, somente em 1861, pôde ele reunir, em um único volume, “o ensino especial dos Espíritos sobre a teoria de todos os gêneros de manifestações, os meios de comunicação com o mundo invisível, o desenvolvimento da mediunidade, as dificuldades e tropeços que se podem encontrar na prática do Espiritismo”, conforme se lê no frontispício da obra.
 
Nascia, assim, O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores, o segundo volume de cinco que consolidariam o pensamento espírita e que, até os dias atuais, permanece desafiando e instruindo a quantos se debruçam sobre o estudo e a prática da mediunidade.
 
ANALISANDO O TÍTULO
 
Não passa despercebido ao observador atento um detalhe importante, registrado no título: Kardec a chamou O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores. Aparentemente insignificante, esse outro nome com que o mestre francês intitulou a obra nos permite reflexões necessárias, sobretudo para quem, de maneira desapaixonada e desinteressada, deseja abraçar a prática espírita sem qualquer tipo de prevenção ou preconceito.
 
Primeiramente, Kardec o chama de “Guia”. À primeira vista, a apalavra pode parecer mal empregada, por sugerir a ideia de um manual com formulas e receitas prontas. Talvez por isso, nas paginas introdutórias, Allan Kardec tenha feito a seguinte advertência:
 
“Enganar-se-ia igualmente quem supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns. Se bem cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da musica não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que não têm o gênio de alguma dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam, no emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista.”
 
Trata-se, pois, de um conjunto de instruções nascidas da sua experiência e da colaboração dos Espíritos, sempre interessados no melhor aproveitamento das forcas psíquicas dos médiuns.
 
Além disso, note-se que o livro não se destina apenas aos médiuns, mas também aos evocadores, ou seja, às pessoas que, em lugar de aguardar manifestação espontânea, chamam determinado Espírito a fim de que este venha se comunicar. Esse pormenor revela que, à época, as evocações eram bastante comuns, servindo mesmo para designar todo aquele que, não possuindo possibilidades mediúnicas ostensivas, ocupava-se com os fenômenos de maneira útil e responsável. Tanto é assim, que Kardec propõe o termo “evocadores” para designá-los, sem qualquer tipo de objeção, a eles também dedicando a elaboração da obra, afirmando que, “como repositório de instrução prática, portanto, a nossa obra não se destina exclusivamente aos médiuns, mas a todos os que estejam em condições de ver e observar os fenômenos espíritas”. Aliás, há que se dizer que tão comuns e apropriadas eram – e continuam sendo – as evocações, que Kardec não apenas dedicou O Livro dos Médiuns também aos evocadores, como também dedicou todo um capitulo da obra ao estudo das evocações.
 
 
TIPOS DE COMUNICAÇÕES MEDIÚNICAS O Livro dos Médiuns nos ensina a classificar as comunicações que recebemos dos Espíritos em quatro categorias:
Comunicações Grosseiras. Ferem o decoro e só podem provir de Espíritos das classes mais inferiores. Podem ser triviais, ignóbeis, obscenas, insolentes, arrogantes, malévolas e até mesmo ímpias, dependendo do caráter do Espírito comunicante.
Comunicações Frívolas. São dadas por Espíritos levianos, zombeteiros ou maliciosos, que não se preocupam com a verdade e nem dão importância ao que dizem. Saem às vezes com tiradas espirituosas e mordazes, misturando muitas vezes brincadeiras banais com duras verdades. Espíritos levianos costumam aproveitar todas as ocasiões de se intrometerem nas comunicações.
Comunicações Sérias. Tratam de assuntos graves, são ponderadas, não contém traços de frivolidade nem de grosseria. Elas são sempre úteis, mesmo que para uma finalidade particular. Pode conter erros, pois os conhecimentos dos Espíritos são limitados ao seu grau evolutivo. Por isso todas as comunicações recebidas devem ser analisadas à luz da razão e da lógica.
Comunicações Instrutivas. São as comunicações serias que têm por finalidade principal algum ensinamento dado pelos Espíritos sobre as Ciências, a Moral, a Filosofia, etc. Podem ser mais ou menos profundas, mas seu alcance é geral ou, algumas vezes, universal.
Adverte O Livro dos Médiuns: “Os Espíritos sérios se ligam aos que desejam instruir-se e perseverem, deixando aos Espíritos levianos o cuidado de divertir os que só vêem nas comunicações uma forma de distração passageira
 
 
O PLANO DA OBRA
 
Dividindo o livro em duas partes, Allan Kardec buscou, nos primeiros capítulos, lançar as “Noções Preliminares” do seu estudo, levantando as vigas sobre as quais todo o texto seguinte se sustentaria.
 
É assim que, questionando e demonstrando a existência dos Espíritos como condição primeira dos fenômenos mediúnicos, ele revela que esses acontecimentos não fazem parte da faixa do “maravilhoso ou sobrenatural”, mas obedecem a leis naturais e têm acontecido em todos os tempos, desde as recuadas épocas, como atestam os registros históricos de um sem numero de povos e religiões. Também apresenta e analisa os métodos de abordagem dos fenômenos, destacando o que melhor se aplica à prática espírita, e analisa os sistemas alternativos empregados para explicar as comunicações espíritas, revelando suas fragilidades.
 
“Das manifestações espíritas” é o titulo da segunda parte da obra. Estudando a ação os espíritos sobre a matéria, Kardec classifica as manifestações em dois grandes grupos: as físicas e as inteligentes, apresentando teorias e análises criteriosas sobre como alguns fenômenos se processam. Analisa, também, a natureza grosseira, frívola, séria ou instrutiva das comunicações, estudando a linguagem dos Espíritos e as diversas características e especialidades de médiuns (videntes, aqueles que vêem Espíritos; audientes, aqueles que os ouvem, etc), ensinando como a identificação das possibilidades individuais é caminho seguro para uma boa prática da mediunidade.
 
Ainda nesse passo, o mestre francês se ocupa da formação e desenvolvimento da mediunidade, mostrando seus possíveis inconvenientes e perigos, estudando o papel e também a influência moral dos médiuns nas comunicações, bem como do meio onde este se encontra, e abordando, ainda, questões como obsessão (a influência persistente, incômoda e indesejável de um Espírito sobre outro), charlatanismo (quando pessoas se fazem de médiuns iludindo a boa fé das pessoas) e outras de igual importância, indicando sua sensibilidade na percepção da abrangência e complexidade da experiência mediúnica.
 
UM DETALHE A MAIS
 
Dissemos, no inicio dessas linhas, que o Espiritismo é fruto das manifestações espíritas. De fato, é impossível pensá-lo nascendo de outra maneira que não como conseqüência da análise das manifestações físicas e inteligentes que encontraram em Kardec observação e critérios seguros.
 
Aliás, é preciso dizer que o Espiritismo nasceu e se alimenta da mediunidade, haja vista que o constante intercâmbio com os Espíritos é condição essencial de sua sobrevivência, por ser o seu distintivo e por possibilitar a dilatação dos horizontes morais de toda criatura, ao contato com a realidade espiritual.
 
Allan Kardec percebia isso de maneira muito clara.
 
Se, por um lado, consignou em O Livro dos Espíritos, que é considerado a obra principal do pensamento espírita, “a parte filosófica da ciência espírita”, procurou registrar, em O Livro dos Médiuns, “a parte prática, para uso dos que queiram ocupar-se com as manifestações, quer para fazerem pessoalmente, quer para se inteirarem dos fenômenos que lhes sejam dados observar.”
 
“Estas duas obras, se bem a segunda constitua seguimento da primeira, são, até certo ponto, independentes uma da outra. Mas, a quem quer que deseje tratar seriamente da matéria, diremos que primeiro leia O Livro dos Espíritos, porque contém princípios básicos, sem os quais algumas partes deste se tornariam talvez dificilmente compreensíveis”.
 
Assim, O Livro dos Médiuns deve ser visto, lido e estudado como uma continuação de O Livro dos Espíritos. Cientes desta verdade, é possível devassar-lhe as páginas com um novo olhar, redescobrindo seus ensinos e descortinando novos horizontes.
 
CAMILO, Pedro. O melhor e mais completo guia para médiuns. Universo Espírita, São Paulo, Universo Espírita, Ano 6, n. 63, p. 54-57, 2009.
 
Matéria publicada originalmente na revista Universo Espírita, umas das publicações espíritas mais profundas e esclarecedoras já surgidas no mercado editorial. A revista está paralisada momentanemente na busca de recursos para prosseguir na sua trajetória. O portal da Sociedade Espírita Nova Era trará, eventualmente, alguma matéria da publicação procurando manter viva esta iniciativa, tão importante para o espiritismo.
 
Fonte: Casa Espírita Nova Era. org.br

domingo, 23 de fevereiro de 2014

AS MEDIUNIDADES DE KARDEC


 

 
Allan Kardec

AS MEDIUNIDADES DE KARDEC

Sergio F. Aleixo

 

O codificador do espiritismo leciona que os médiuns inspirados têm mais dificuldade de discernir o pensamento que lhes é sugerido daquele que lhes é próprio, ao oposto dos médiuns intuitivos, nos quais essa distinção se apresenta mais sensível, sendo os primeiros uma variedade dos segundos. Considera ainda o mestre espírita que, bem sugestionados por nossos anjos guardiães, espíritos protetores e familiares, sob esse aspecto, todos somos médiuns. Motivo, pois, não haveria para que Kardec não o fosse. E o era, por sinal, do Espírito da Verdade, seu guia, publicamente declarado. Reconheceu, além disso, ser assistido com ideias que lhe eram sugeridas pelos espíritos, ao mesmo tempo em que afirmou não ter “nenhuma das qualidades exteriores da mediunidade efetiva”. Que quis dizer o mestre com isto? Eis a questão. Que não via, nem ouvia espíritos? Ou, por outra, que não lhe causavam frêmitos agindo sobre seu braço para fazê-lo escrever, nem lhe provocavam transes? Esta segunda alternativa é mais razoável para “qualidades exteriores” da mediunidade efetiva, visto que pode ser efetiva, ou seja, real, sem ser ostensiva, isto é, notada, manifesta à percepção de terceiros.

Certa feita, observado em meio a seu trabalho por um espírito que manteve diálogo mediúnico com um leitor da sua Revista, Kardec foi surpreendido a escrever, e estava rodeado por cerca de vinte espíritos, que “murmuravam acima de sua cabeça”. Segundo esse espírito, Kardec os “ouvia” tão bem que olhava para todos os lados para ver de onde vinha o “ruído”, chegando a erguer-se, abrir a janela e checar se não seria, por acaso, o vento ou a chuva. Comunicado sobre isso por correspondência posteriormente publicada na sua Revista, o mestre externou que o fato era absolutamente exato. Contudo, fica esclarecido que só dois ou três desses cerca de vinte espíritos sopravam diretamente ao codificador o que deveria escrever, e que o mestre julgava serem dele mesmo as ideias. Médium, pois, inspirado; quase audiente neste caso; o que também se deduz da mensagem de 14 de setembro de 1863, em que a ação espiritual é relatada tão constante ao derredor do mestre, sobretudo a do Espírito da Verdade, que mesmo ele não a podia negar.

Até aqui, não pode haver dúvidas nem discordâncias sobre a mediunidade de Kardec. Intuição, inspiração, semiaudiência. Mas pode-se ir além? E quanto a ver os espíritos? Bem... Kardec ensina que quase sempre os médiuns videntes exercem essa faculdade em estado sonambúlico, ou dele aproximado; que não raro ela é efeito de crise passageira e, nessa medida, apresenta, portanto, a qualidade exterior do transe. Segundo o mestre, porém, alguns médiuns videntes exercem sua faculdade em estado normal, perfeitamente acordados. A priori, não há deste último tipo de exercício qualquer qualidade exterior; é efetivo, mas não ostensivo, a menos que se possa aferir a precisão das visões mediúnicas, por exemplo, nos casos de reconhecimento de falecidos por terceiros.

Ora, em O Livro dos Espíritos, 257, Kardec surpreende ao dizer que viu desencarnados atravessando o fogo sem que isso lhes causasse dor alguma. No original: “nous en avons vu passer à travers les flammes”: “já os vimos atravessar chamas”; “vimo-los passar através das chamas”. Para não conferir a seus textos conotação muito impositiva e pessoal, escritores podem tratar a si mesmos por nós em vez de eu. Chama-se plural de modéstia. Uma constante, aliás, em Kardec; quase sempre se refere a si na 1.ª pessoa do plural; raramente na 1.ª pessoa do singular. Mesmo que se queira imaginar aí a expressão de experiência compartilhada por outros, ainda assim, o próprio Kardec estará incluído na ação verbal; doutro modo, escreveria algo como “foram vistos”, ou “têm sido vistos passar através das chamas”, e nunca: “nós os vimos, os temos visto”. Entenda-se: “Eu os vi, os tenho visto passar pelas chamas”.

Em O Livro dos Médiuns, 169, o mestre espírita reporta uma experiência, desta vez junto a muito bom médium vidente, que o acompanhou a uma ópera. Ali mesmo, após um baixar da cortina, evocou e conversou com Weber, autor de Obéron. Este, após estabelecer breve diálogo com Kardec e o médium, deixou-os, prometendo insuflar nos cantores mais ímpeto. Dito e feito. Nesse ínterim, Kardec surpreende novamente ao escrever: “Alors on le vit sur la scène, planant au-dessus des acteurs; un effluve semblait partir de lui et se répandre sur eux; à ce moment, il y eut chez eux une recrudescence visible d'énergie”: “Vimo-lo então sobre o palco, pairando acima dos atores. Um eflúvio parecia derramar dele para os intérpretes, espalhando-se sobre eles. Nesse momento verificou-se entre eles uma visível recrudescência da energia”. Kardec mesmo viu o espírito e, pois, trata-se de novo plural de modéstia; ou, por outro lado, como neste caso é possível considerar, foi o mestre partícipe da visão do médium, o que, ali, até funcionou como controle, garantindo a um e outro que não eram vítimas da imaginação; ambos viram. Como quer que seja, Kardec viu o espírito de Weber sobre os atores em cena.

Contra isso, aparentemente, vai uma observação do codificador sobre a descrição de dois espíritos que viveram em passado mais distante e que foram avistados por aquele que, provavelmente, era o mesmo médium que esteve com ele na ópera. Escreve o mestre que, nesse caso, nada podia provar que não se tratasse apenas da imaginação do sensitivo, porque não havia “controle”, i. é, uma confirmação da descrição da aparência dos espíritos, como houve noutros exemplos relativos a mortos recentes e cujos detalhes atinentes a seu aspecto puderam ser subscritos por amigos e parentes dos falecidos. Nada, porém, existe aí que negue a Kardec a eventual condição de médium vidente, discretamente externada nos passos comentados de O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns. Outra forma de comprovação seria Kardec, ou um terceiro, também avistá-los. Parece, contudo, que isso não ocorreu, o que não é desabonador a priori, como bem explica o mestre na referida observação.

 

 Codificador, sim; por que não? Kardec disse: “Em tudo isto não fiz senão recolher e coordenar metodicamente o ensino dado pelos espíritos; sem levar em conta opiniões isoladas, adotei as do maior número, afastando todas as ideias sistemáticas, individuais, excêntricas ou em contradição com os dados positivos da ciência”. (Revista Espírita. Set/1863. Segunda Carta ao Padre Marouzeau.) Modesto, minimizou sua participação; entretanto, o advérbio revela a importância pessoal dele: “recolher e coordenar METODICAMENTE”. Não menos relevante é o fato de Kardec haver bem fixado a matéria-prima do seu trabalho: “o ensino dado pelos espíritos”. Kardec não inventou nenhum princípio. Todos resultaram do ensino; todavia, submetido, sim, à conjuntura dessa coleta e coordenação metódica, mérito de Kardec, sem o que não haveria espiritismo. Uma codificação implica o ato de codificar, que não é só reunir, compilar; há que fazê-lo sistematicamente (A.B.L., 2008). No caso do espiritismo, ou doutrina dos espíritos, houve reunião, compilação de materiais e, daí, a inferência paradigmática de princípios, cujo estabelecimento se deveu ao método de Kardec. Não tem relevância o fato de ser ausente das obras dele a designação codificador. Essa percepção demandaria distanciamento histórico. Chamá-lo assim só o diminuiria se excluísse seus esforços de coleta e coordenação metódica do ensino espírita; mas no ato de codificar estão implicados o mérito e as escolhas pessoais do codificador, evidentemente determinantes. O caso é, pois, mais lexicográfico que doutrinário.

Cf. O Livro dos Médiuns, 182. Revista Espírita. Nov/1861. Discurso aos espíritas bordeleses.

Cf. Revista Espírita. Set/1867. Caráter da revelação espírita. Nota ao n. 45.

Cf. Revista Espírita. Maio/1859. Cenas da vida privada espírita. N.ºs 47 a 53.

Cf. Obras Póstumas. Imitação do evangelho, Paris, 14 de setembro de 1863.

Cf. O Livro dos Médiuns, 167.

E. N. Bezerra, 1.ª ed. Comemorativa do Sesquicentenário, F.E.B., 2006, p. 202.

J. Herculano Pires, 54.ª ed., L.A.K.E., 1994, p. 144.

Cunha, C. & Cintra, L. F. L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Cap. 11. 3.ª ed., 7.ª impressão, Nova Fronteira, 2001, p. 283.

Provavelmente, o Sr. Adrien, membro da S.P.E.E. Cf. Revista Espírita. Dez/1858: “Estivemos juntos nos teatros, bailes, passeios, hospitais, cemitérios e igrejas; assistimos a enterros, casamentos, batismos e sermões; em toda parte observamos a natureza dos espíritos que ali vinham reunir-se, estabelecendo conversação com alguns deles, interrogando-os e aprendendo muitas coisas que tornaremos proveitosas aos nossos leitores”.

J. Herculano Pires, 18.ª ed., L.A.K.E., 1994, p. 176. Obs.: A forma vit é 3.ª pessoa do singular do passé simple, il vit: ele viu. Kardec, porém, usou o pronome impessoal on, que equivale ao nosso a gente, embora também possa indicar indeterminação do sujeito: viu-se, razão pela qual divergem os tradutores entre “a gente o viu / nós o vimos / vimo-lo” e “foi visto”. Concordo com Herculano Pires: “vimo-lo”. Se havia dois candidatos a praticante da ação verbal (Kardec e/ou o médium), por que o mestre indeterminaria o sujeito? O mesmo se verifica no número seguinte, o n. 170. Escreve Kardec, acompanhado de outro médium e sobre diferente espírito: “Cela dit, on le vit aller se placer...”; “Dito isto, vimo-lo ir colocar-se...”. Herculano, desta vez, salteia a expressão: “Dito isso, foi se colocar...”. G. Ribeiro acresce palavra inexistente: “Dizendo isso, o médium o viu ir colocar-se...”.

Cf. Revista Espírita. Dez/1858. Conversas familiares de além-túmulo. Uma viúva de Malabar e A bela cordoeira.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

150 anos de O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO



Vovô Severino
 
I. Injúrias e violências

 

1. (Mt 5,4) - "Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra."

 

2. (Mt 5,9) - "Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus."

 

3. (Mt 5,21-22) - "Sabeis que foi dito aos antigos: Não matareis e quem quer que mate merecerá condenação pelo juízo. - Eu, porém, vos digo que quem quer que se puser em cólera contra seu irmão merecerá condenado no juízo; que aquele que disser a seu irmão: Raca, merecerá condenado pelo conselho; e que aquele que lhe disser: És louco, merecerá condenado ao fogo do inferno."

 

4. Por estas máximas, Jesus faz da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes. Raca, entre os hebreus, era um termo desdenhoso que significava homem que não vale nada, e se pronunciava cuspindo e virando para o lado a cabeça. Vai mesmo mais longe, pois que ameaça com o fogo do inferno aquele que disser a seu irmão: És louco.

 

Evidente se torna que aqui, como em todas as circunstâncias, a intenção agrava ou atenua a falta; mas, em que pode uma simples palavra revestir-se de tanta gravidade que mereça tão severa reprovação? É que toda palavra ofensiva exprime um sentimento contrário à lei do amor e da caridade que deve presidir às relações entre os homens e manter entre eles a concórdia e a união; é que constitui um golpe desferido na benevolência recíproca e na fraternidade que entretém o ódio e a animosidade; é' enfim, que, depois da humildade para com Deus, a caridade para com o próximo é a lei primeira de todo cristão.

 

5.  Mas, que queria Jesus dizer por estas palavras: "Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra", tendo recomendado aos homens que renunciassem aos bens deste mundo e havendo-lhes prometido os do céu?

 

Enquanto aguarda os bens do céu, tem o homem necessidade dos da Terra para viver. Apenas, o que ele lhe recomenda é que não ligue a estes últimos mais importância do que aos primeiros.

 

Por aquelas palavras quis dizer que até agora os bens da Terra são açambarcados pelos violentos, em prejuízo dos que são brandos e pacíficos; que a estes falta muitas vezes o necessário, ao passo que outros têm o supérfluo. Promete que justiça lhes será feita, assim na Terra como no céu, porque serão chamados filhos de Deus. Quando a Humanidade se submeter à lei de amor e de caridade, deixará de haver egoísmo; o fraco e o pacífico já não serão explorados, nem esmagados pelo forte e pelo violento. Tal a condição da Terra, quando, de acordo com a lei do progresso e a promessa de Jesus, se houver tornado mundo ditoso, por efeito do afastamento dos maus.

 

Fonte: KARDEC A., O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 9, itens 1 a 5, FEB.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Prece de Amor



Casa do Caminho

 

Prece de Amor


Amado Jesus!


Suplicando abençoes a nossa Casa de fraternidade, esperamos por teu amparo, afim de que saibamos colocar em ação o amor que nos deste.



Auxilia-nos a exercer a compaixão e o entendimento, ensinando-nos a esquecer o mal e a cultivar o bem, na paciência e na tolerância uns para com os outros.




Ajuda-nos a compreender e servir, para que a nossa fé não seja inútil.



Faze-nos aceitar na caridade o esquema de cada dia e induze-nos os braços ao trabalho edificante para que o nosso tempo não se torne vazio.



Sobretudo, Senhor, dá-nos humildade, a fim de que a humildade nos faça dóceis instrumentos nas tuas mãos.



E, agradecendo-te o privilégio do trabalho, em nosso templo de oração, louvamos a tua Infinita Bondade hoje e sempre.

 

Scheilla

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014


Belarmino
 
Engano

Desde que Dona Marina acolhera um pobre rapaz doente, em seu próprio carro, por duas vezes consecutivas, conduzindo-o a tratamento no hospital, que os mexericos principiaram...



Agitou-se o bairro.



“Dona Marina extraviara-se do lar, Dona Marina se inimizara com o marido e aceitara um companheiro diferente”, falava-se aqui e
além, a comentários sussurrados. Segredo de boca em boca.



A imaginação doentia completava os esboços que a
malícia traçava. Claro que o segundo homem devia ser um moço endinheirado e bonitão... Dona Marina, de modo algum, se comprometeria com um joão-ninguém.
E, de bisbilhotice em bisbilhotice, quando o assunto ch
egou ao marido, o pobre do Placidino, devotado contador sempre encerrado no escritório, o caso parecia uma corrente de enxurrada, desembocando num recôncavo de vale tranqüilo. Não ficou terra de bondade, nem planta de afeto que não tornassem lama grossa.



Placidino para logo se envenenou.



“Ah!... – resmungava, interpretando simples
passeios da mulher por encontros indesejáveis – bem que a vejo mudada!... Vestidos e mais vestidos, gargalhadas para dar e vender e automóvel com alta quilometragem...” Ao passo que ele, marido e pai exemplar, se esfalfava por cima de números, pagando o reconforto da casa, a companheira se espoliava em desequilíbrios e infidelidade – pensava em desconsolo.



Por tudo isso, regressava ao lar, noite a noite, derramando re
provação e azedume. Reclamava, altercava. Nutria acusações, sem poder exprimi-ias de viva voz. Queria provas, quanto à deslealdade da mulher, e, enquanto as provas não vinham, passou a ocultar um revólver carregado de balas no próprio bolso. E raciocinava: se visse a esposa com outro, matá-la-ia sem vacilar... E depois?... Depois, que faria da própria existência?!... Valeria a pena sobreviver? Não. Encontraria meios de abater o agressor e aniquilar-se. Os dois filhinhos do casal teriam a proteção dos avós. Ele, Placidino, não aspirava a permanecer no mundo, além da tragédia, se a tragédia se consumasse.
E, ruminando idéias de homicídio e
suicídio, no caldo do ciúme, tampado no peito em ponto de explosão, Placidino voltou ao lar, certa noite, em horário imprevisto, com a empregada ausente e os filhos em rias escolares num sítio distante... Dona Marina recebeu-o alegre, mas naturalmente intrigada, indagando que acontecia para que o esposo retornasse mais cedo. Ria-se. Parecia querer detê-la na sala-de-estar para entendimento mais longo. Não sabia que a expectação angustiada do esposo exprimisse desconfiança e pediu-lhe as razões da tristeza que lhe categorizava o abatimento. Placidino não respondeu. Desvencilhou-se-lhe das carícias, repelindo-lhe o abraço e avançou para o quarto de dormir, seguido por ela, e, estarrecido, viu que um homem se ocultava na peça íntima, sob cortina espessa. Cego de ciúme e desesperação, não parou a mente em descontrole para pensar. Sacou da arma, alvejou o desconhecido, disparou contra a esposa e, em seguida, varou o próprio crânio, desmontando-se no tapete.

Três mortos em alguns minutos.



E, somente mais tarde, Placidino,
desencarnado, veio a saber, na Vida Maior, que o homem do aposento, cuidadosamente enrolado no reposteiro, era um irmão anônimo e infeliz que ali se escondera unicamente para roubar.

Irmão X

Do livro Aulas da Vida, psicografia de Francisco Cândido Xavier.