sábado, 31 de dezembro de 2011

A AGRIPINO GRIECO


A AGRIPINO GRIECO

Depois da grande batalha de Tsushima16, um dos grandes generais japoneses concitava os mortos a se levantarem, de modo a sustentar as energias exauridas dos camaradas agonizantes. E eu compareço aqui, como uma sombra, para dizer ao formoso coração de Agrippino Grieco que me encontro de pé. É verdade que, depois de longa ausência, não nos encontramos nas nossas tertúlias literárias do Rio de Janeiro. Nem nos achamos num local tão famoso como a Acrópole17, onde a deusa de Atenas distribuía as suas bênçãos entre os sábios. Mas há em nossas almas essa doce alegria de velhos irmãos que se reconhecem, pelas afinidades santificantes do Espírito.

É certo que os seus olhos mortais não me vêem. Todavia eu recorro ainda aos símbolos mitológicos para justificar a minha presença nesta casa de simplicidade e de amor cristão. Suponhamos que me encontro por detrás do véu de Ísis, como as forças que se ocultam aos olhos dos homens, no famoso santuário de Delfos18.

Agora, meu amigo, as fronteiras do sepulcro nos separam. Para falar-te, sou compelido a me utilizar da faculdade de outros, como se empregasse uma nova modalidade de aparelho radiofônico. Teus olhos deslumbrados me procuram, ansiosamente, porém, nem mesmo a letra me pode identificar para o teu Espírito, habituado às supremas investigações de nossas forças literárias do ambiente contemporâneo. Mas nós nos entendemos no âmago do coração, compreendendo mutuamente, através das mais puras afinidades espirituais.

A sombra do sepulcro não podia obscurecer a minha admiração, que se manifesta, agora, com uma intensidade ainda maior, sabendo que despiste a toga de Nicodemus19, para devassar a verdade no beiral do meu túmulo.

Compreendo a elevação do teu gesto e louvo as tuas atitudes desassombradas. Um mundo de novas observações aflora-me ao pensamento para entregar ao teu coração nesta noite, de sagrada memória para a minha vida de homem desencarnado, porém, dificuldades inúmeras impedem a realização de meus modestos desejos.

Não desejo reviver o acervo de minhas velhas recordações, cheias de lágrimas muito amargas; todavia, se não represento mais a figura de Tirésias20, dando palpites ao mundo, do seio de sombras da sua noite, desejaria trazer-te o complexo de minhas emoções novas e de meus novos conhecimentos.

Não te posso, todavia, fornecer os elementos mais essenciais de meu novo mundo impressivo, porquanto a Terra tem as suas cores definidas, nos diversos setores de suas atividades e as imagens literárias não poderiam corresponder às minhas necessidades novas.

Também, a mudança integral das perspectivas não me faria redizer o passado, com os seus enganos, com referência aos centros envenenados de nossa cultura. O plano espiritual está cheio de incógnitas poderosas.

Aqui vivemos numa expressão mais forte do problema do ser e do destino. Não aportamos do outro lado do Aqueronte, tão somente para devassar o mistério das sombras. Chegamos no além-túmulo com um dever mais profundo e mais essencial — o de conhecermos a nós mesmos, segundo o

16Tsushima - é um arquipélago japonês, na entrada meridional do mar do Japão, entre a Corea e o Japão. Foi nessas águas que, em 1905, o almirante Togo infligiu irremediával derrota à esquadra da Rússia, que estava em guerra com os nipônicos. Foi o resultado dessa batalha naval que decidiu do término da luta.

17Acrópole - Cidade da antiga Atenas, na Grécia, situada sobre um rochedo de 45 metros de altura, aproximadamente.

Aí havia templos, monumentos, notadamente o Partenão, a Pinacoteca, etc.

18Delfos - Antiga cidade da Grécia, então tida por sagrada e por ser o centro da Terra. Seu templo e seu oráculo tornaram-na célebre, e todos os gregos, além de príncipes estrangeiros mandavam ricas dádivas e colocavam seus bens sob a proteção de Apolo (deus mitológico, filho de Júpiter) em nome de quem o oráculo fazia suas famosas profecias.

Os tesouros ali acumulados acenderam temíveis cobiças, e por ocasião de uma guerra foram fundamente pilhados.

19Nicodemos - Fariseu, membro do tribunal supremo que decidia em última instância, no tempo de Jesus Cristo.

Tocado pelas doutrinas do meigo Nazareno, Nicodemos, para dirimir as dúvidas do seu espírito, procurou Jesus, mas à noite, meio às escondidas, temeroso do juízo dos seus pares.

Mais tarde, quando os principais sacerdotes pretenderam decidir sumariamente sobre a pregação de Jesus, Nicodemos tomou a defesa, perguntando-lhes: Porventura julga a nossa lei a alguém, sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele faz?

(João, cap. VII, 51).

E ainda depois da crucificação, Nicodemos, juntamente com José de Arimatéia, levou cem libras de mirra e áloes para embalsamar o corpo do Cristo (João, cap. XIX, 38-40).

20Tirésias - Advinho de Tebas, Egito, célebre pelas profecias que fez no seu tempo. Deixou livros sobre adivinhações e augures, e uma filha, Manto, também profetisa.



grande apelo de Alexis Carrel numa de suas últimas experiências científicas21. Surpresas numerosas assaltam a nossa imaginação, mas os aspectos exteriores da Vida não se modificam de modo absoluto. A incógnita de nossa própria alma para o desencarnado é, talvez, a mais complexa e profunda. Aí no mundo, costumamos entronizar a razão como se tão somente por ela subsistissem todas as leis de progresso. Entretanto, sem a luz da fé, a nossa razão é sempre falível. Reconhecemos a propriedade desse asserto quando observamos a caminhada sinistra dos povos para a ruína e para a destruição.

Se os valores raciais trouxessem consigo a prioridade da evolução, não teríamos tantas teorias de paz e de concórdia espezinhadas pela incultura e pela violência, pelos princípios dos mais fortes, como se os homens desta geração houvessem sorvido no berço um vinho diabólico e sinistro.

A razão do homem, em si mesma, fez o direito convencional, mas fez igualmente o canhão e o prostíbulo. E, sem a fé, sem a compreensão de sua própria alma, estranho às suas realidades profundas, o homem caminha, às tontas, endeusando todas as energias destruidoras da alegria e da vida.

Um espetáculo imponente apresenta a sociedade moderna, com a sua época de miséria e de deslumbramento.

O homem da atualidade é um hífen desesperado entre duas eras extraordinárias. De cá assistimos a esse esboroar do mundo velho, para que o novo organismo do orbe surja na plenitude das suas forças restauradoras. E eu não poderia te falar de um livro de Sainte Beuve ou de apontamentos da história nesse ou naquele setor. Falar-te-ia muito; todavia, a nossa palavra singela de humilde jornalista desencarnado teria de rodopiar em torno de problemas demasiadamente complexos, para um ligeiro encontro de amigos, dentro da noite.

Eu sei que não poderás aceitar as teses espiritistas de um jacto, como se o teu coração fosse tocado de um banho milagroso. Lutarás contigo mesmo e submeterás tudo o que os teus olhos vêem, ao cadinho de tuas análises rigorosas, mas sentir-me-ei resignado e feliz se puder alimentar a dúvida no íntimo de teu coração.

A dúvida, como já o disse alguém no mundo, é o túmulo da certeza.

A hora vai adiantada e se não tenho mais o relógio do estômago que me fazia enfrentar nas avenidas a poeira impiedosa dos automóveis felizes, tenho de subordinar as minhas atividades a certas injunções de ordem espiritual, a que não posso fugir.

Não rubriques o papel de que não tenho necessidade para te falar mais demoradamente ao coração.

Guarda o meu pensamento que, se vem do mundo das sombras, parte também do mundo da minha estima fraternal e de minha admiração.

Que o teu barco seja conduzido a melhores portos no domínio da cultura espiritual, de modo a valorizares, ainda mais, os teus valores intelectivos, são os votos de um irmão das letras, que, apesar de "morto" para o mundo, faz questão de viver com a lembrança de teu pensamento e de tua afeição.

Humberto de Campos

(Recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em 30 de julho de 1939, na sede da União

Mineira, em Belo Horizonte, Minas Gerais).





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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Evangelho é a nossa bússola



Carta a Gastão Penalva

"Gastão Penalva, o brilhante ourives do pensamento no imenso filão de ouro inculto das nossas letras, acenou-me da sua tenda de trabalho, enviando-me, pelas colunas do "Jornal do Brasil", de 4 deste mês, uma carta carinhosa e comovedora, em cujas linhas tristes deixa transparecer o seu desalento, em face dos espetáculos dolorosos de ruínas e de sangue, que ressurgem no mundo.

"A Humberto de Campos, onde estiver."

A epígrafe e o endereço de sua missiva afetuosa tocaram-me as fibras mais sensíveis do coração, por demonstrarem a sua certeza na minha sobrevivência.

Sim, meu irmão, eu recebi a tua palavra dolorida e cariciosa, evocando os dias escuros da Terra, sentindo nos olhos redivivos o rocio das lágrimas benfeitoras.

A tua lembrança é uma ave de melancolia, trazendo-me ao coração a suave mensagem de um afeto que não se confundiu nas esperanças mortas.

De todos os apelos por mim recebidos do mundo, após a travessia das águas enigmáticas do rio da morte, o teu foi talvez o mais profundo e o mais agradável à minh’alma. Não me procuraste, obedecendo ao convencionalismo social, junto à lápide singela que me guarda os despojos junto aos túmulos suntuosos de São João Batista, onde se recolhem os ossos da aristocracia de ouro da cidade maravilhosa; não me buscaste como os Tomés da fenomenologia espiritista, perguntando o número exato dos soldados comandados por Aníbal22, na segunda guerra púnica, na falsa suposição de que a morte representa para nós outros um banho prodigioso de sabedoria e nem me pediste o milagre da felicidade sobre a face da Terra.

Caminhando comigo nas avenidas do pensamento, através das humildes edificações dos meus livros, procuraste a minh’alma nas mais afetuosas recordações.

Marinheiro valoroso do oceano das idéias, contemplaste o céu, pesado de nuvens tempestuosas, lembrando o companheiro que desapareceu no dorso da onda traiçoeira, no misterioso silêncio da noite, para ressurgir na alvorada de uma vida melhor.

E, agradecendo a dádiva de Jesus que me permitiu acudir à tua recordação amiga, estive espiritualmente contigo, antes que molhasses a pena no coração amargurado para me endereçar a tua carta carinhosa.

Ouvindo as tuas considerações íntimas, quando manuseavas a bíblia de angústia da minha vida, desejei intensamente imitar o gesto famoso de Ulisses, no palácio de Alcino, quando o canto de Domódoco23 fê-lo chorar com a descrição de seus sofrimentos, repassada de louvores ao heroísmo dos companheiros mortos.

Presenciando os movimentos homicidas, que se desenrolam na Europa, sentes o frio mortal de todos os corações bem formados que observam, estarrecidos, o crepúsculo desta civilização que se despenha nos desfiladeiros dos milênios, como mais um fruto apodrecido.

Por toda a parte é morticínio e destruição. A força faz sentir o peso terrível de seus postulados de violência numa de suas mais singulares alternativas na história do direito.

A cultura intelectual experimenta o insulto de todas as energias das sendas tenebrosas.

Dizia Renan que o "o cérebro queimado pelo raciocínio tem sede de simplicidade, como o deserto tem sede de água pura". E nós observamos que a ciência do mundo, nas suas explosões de inconsciência, se reduz, agora, a um punhado de escombros.

O antigo continente, fonte desta civilização que se perde, à míngua da água pura da fé no deserto das ambições desmedidas, dá a idéia de um novo inferno, onde o Diabo desse a beber aos espíritos o vinho sinistro da ruína e da morte.

22Aníbal - Um dos maiores generais cartagineses (247 antes da era cristã), inimigo dos Romanos — que muito combateu e afinal dominou.

São chamadas púnicas as três guerras havidas entre cartagineses e Romanos, nome que era o da língua (púnica) falada por aqueles.

Aníbal, depois de coberto de glórias e homenagens em sua Pátria, teve alternativas, e chegou, por traições, a correr risco de ser entregue a inimigos.

Para evitar que tal sucedesse, envenenou-se, já sexagenário.

23Alcino - Rei dos Feacianos, povo fabuloso mencionado da Odisséia, de Homero, o velho poeta grego.

No palácio desse rei foi que Ulisses, o rei legendário, teve acolhida, quando regressou de Tróia.

A Odisséia, que tem em Ulisses a sua figura central, é rica em detalhes sobre o caso aludido.



Meditando nas bocas de fogo, assestadas para as mulheres e criancinhas indefesas, perguntas-me se cheguei a ouvir falar "ao tempo em que vivia mortalmente, em guerras sem declaração, invasões sem anúncio, conquistas sem ideal", no desdobramento das ações malignas, levadas a efeito pela nossa geração, condenada no berço pelas suas inquietações desesperadas.

Sim, meu amigo, a morte não me ocultou a porta da análise relativamente aos nossos panoramas tristes e sombrios.

O repouso absoluto no túmulo é a mais enganosa de todas as imagens que o homem inventou para a sua imaginação atormentada.

Atravessada a fronteira de cinzas do sepulcro, sentimo-nos dentro do santuário das mais profundas revelações.

A luz suave e tranqüila da verdade confunde-nos todos os enganos.

Aí na Terra, prevalecem as convenções sociais, os imperativos de ordem econômica e a claridade falsa do artificialismo das gloríolas mundanas. Aqui, porém, é a revelação da espiritualidade pura.

O mundo esqueceu a fonte preciosa da fé, submergindo-se no abismo dos raciocínios mais sombrios.

A atualidade é um campo de batalha, onde se glorificam todos os símbolos da força bruta e onde todas as florações do sentimento estão condenadas ao extermínio.

Contrariamente às tuas suposições, vemos, igualmente, os quadros angustiosos e sinistros.

Sentimos as preces aflitas dos corações maternos, dilacerados nas suas mais cariciosas esperanças.

Contemplamos essa juventude envenenada, que caminha para a morte, glorificando a imagem infeliz de D'Anúnzio, quando preconizava para os moços da época a ponta da baioneta, como o primeiro e último amor.

Mais que isso, podemos observar, de perto, as agonias silenciosas dos lares abandonados e desprotegidos, que balançam na árvore da vida, arrancados pelas mãos impiedosas dos nossos bárbaros que ameaçam as bases cristãs, de que a nossa civilização fugiu, um dia, levada pelo egoísmo dos mais fortes.

Ante as sombras dolorosas que invadem o mundo velho, sinto contigo o frio do crepúsculo, preludiando a noite de tempestade, cheia de amarguras e de assombros.

Dentro, porém, de nossa angústia, somos obrigados a recordar que a nossa geração de perversidade e descrença está condenada, por si mesma, aos mais dolorosos movimentos de destruição.

O mundo cogitou de ciência, mas esqueceu a consciência, ilustrou o cérebro e olvidou o coração, organizou tratados de teologia e de política, fazendo tábua rasa de todos os valores da sinceridade e da confiança.

É por isso que vemos o polvo da guerra envolver os corações desesperados, em seus tentáculos monstruosos, enquanto há gigantes da nova barbaria, preferindo discursos bélicos, em nome de Deus, e sacerdotes abençoando, em nome do Céu, as armas da carnificina.

Os sociólogos mais atilados não conseguem estabelecer a extensão dos fenômenos dolorosos que invadem os departamentos do mundo.

A embriaguez de ruína mobiliza os furacões destruidores das novas tiranias sobre a fronte dos homens, e nós acompanharemos a torrente das dores com as nossas lágrimas, porque fizemos jus a essas agonias amarguradas e sinistra, em virtude do nosso esquecimento da lei do amor, no passado espiritual.

A hora que passa é um rosário de soluços apocalípticos, porque merecemos as mais tristes provações coletivas, dentro das nossas características de espíritos ingratos, pois as angústias humanas não ocorrem à revelia d'Aquele que acendeu a luz da manjedoura e do calvário, clarificando os séculos terrestres.

Das culminâncias espirituais, Jesus contempla o seu rebanho de ovelhas tresmalhadas e segue o curso dos acontecimentos dos mundos, com a mesma divina melancolia que assinalou a sua passagem sobre as urzes da Terra.

Enevoados de lágrimas sublimes, seus olhos contemplam os canhões e os prostíbulos da guerra, os gabinetes de despotismo e da ambição, os hospitais de sangue, no centro dos cadáveres insepultos, e, observando a extensão de nossas misérias, exclama como Jeremias:

-  Oh! Jerusalém!... Jerusalém!..."

E nós, operários obscuros do plano espiritual, buscamos disseminar a nossa consolação, junto aos que sucumbem ou fraquejam.

O Evangelho é a nossa bússola, e não nos detemos para a lamentação, porque, hoje, meu amigo, eu sei orar, de novo, juntando as mãos em rogativa, como no tempo da infância em Parnaíba, quando a simplicidade infantil me enfeitava o coração.

Aqui, oramos, trabalhamos e esperamos, porque sabemos que Jesus é o fundamento eterno da Verdade e que um dia, como Príncipe da Paz, instalará sobre a Terra dos lobos o redil de suas ovelhas abençoadas, e mansas.

Nessa era nova, vê-Lo-emos outra vez, nos seus ensinos redivivos, espalhando a esperança e a fé, confundindo quantos mentiram à Humanidade em seu nome.

Antes, porém, que o novo sol resplenda nos horizontes do orbe, seremos reunidos no plano espiritual para sentir as vibrações suaves do seu amor infinito.

Nesse dia, meu irmão, certamente o Senhor fará descer as suas bênçãos compassivas sobre o teu coração generoso e fraterno. Mensageiros de piedade e de luz hão de esperar teu espírito carinhoso, no limiar do sepulcro e, contemplando a claridade imortal da vida verdadeira, ouvirás uma voz, terna e carinhosa, que murmurará aos teus ouvidos:

- "Gastão Penalva, sê bem-vindo ao reino da paz, tu que choraste com as viúvas e com os órfãos, sonhando a concórdia no caminho dos homens!... Retempera as tuas energias, porque o trabalho não findou na estrada interminável da vida. Sob as bênçãos de Deus, lutarás pela nova redenção, ao longo do Infinito!...

Poderás renovar as tuas aspirações, dilatando os teus esforços, porque o salário do bom trabalhador está reservado nos céus aos operários sinceros e devotados de todas as crenças que iluminam a noite dos corações atormentados do planeta terrestre!..."

Então, meu amigo, o orvalho brando das lágrimas lavará todas as recordações penosas dos dias de incompreensão e de amargura que viveste no mundo, e uma nova luz balsamizará o teu íntimo, onde florescerão os lírios perfumados do amor e da divina esperança.

Humberto de Campos



(Recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em 6 de outubro de 1939).







quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

As Irmãs Fox - Batidas mais nítidas e sons de arrastar de móveis.


As Irmãs Fox




As Irmãs Fox


150 ANOS DO EPISÓDIO DE HYDESVILLE
por Karl W. Goldestein


A FAMÍLIA FOX

Em 11 de dezembro de 1847, a família Fox instalou-se em modesta casa no vilarejo de Hydesville, Estado de New York, distante cerca de 30 km da cidade de Rochester.

O nome da família Fox origina-se do sobrenome Voss, depois Foss e finalmente Fox. Eram de origem alemã, da parte paterna; e francesa, holandesa e inglesa, da parte materna. Seus antecessores foram notoriamente dotados de faculdades paranormais.

O grupo compunha-se do chefe da família, Sr. John D. Fox, da esposa D. Margareth Fox e mais duas filhas; Kate, com 7 anos e Margareth, com 10 anos. O casal possuia mais filhos e filhas. Entre estas, convém destacar Leah, que morava em Rochester, onde lecionava música. Devido aos seus casamentos, foi sucessivamente conhecida como Mrs. Fisch, Mrs. Brown e Mrs. Underhill.

Leah escreveu um livro, "The Missing Link", New York, 1885, no qual ela faz referência as faculdades paranormais de seus parentes anteriores.
Inicialmente, tomaram parte nos acontecimentos somente Kate e Margareth, mas posteriormente Leah juntou-se a elas e teve participação ativa nos episódios subseqüentes ao de Hydesville.


A CASA DE HYDESVILLE JÁ ERA ASSOMBRADA

Lucretia Pulver era jovem que servira como dama de companhia do casal Bell, quando elas habitavam a referida casa até 1846. Ela contou uma curiosa história de um mascate que se hospedara com os Bells. Na noite em que o vendedor passou com aquele casal, Lucretia foi mandada a dormir na casa dos pais. Três dias depois tornaram a procurá-la. Então disseram-lhe que o mascate fora embora. Ela nunca mais viu esse homem.

Depois disso, passado algum tempo, aproximadamente em 1844, começaram a dar-se fenomenos estranhos naquela casa. A mãe de Lucretia, Sra. Ann Pulver, que mantinha relações com a família Bell, relata que, em 1844, quando visitara a Sra. Bell, indo fazer tricô em sua companhia, ouvira desta uma queixa, Disse-lhe que se sentia muito mal e quase nao dormia à noite. Quando lhe perguntou qual a causa, a Sra. Bell declarou que se tratava de rumores inexplicáveis; parecera-lhe ter ouvido alguém a andar de um quarto para outro; acordou o marido e fe-lo levantar-se e trancar as janelas. A princípio, tentou afirmar à Sra. Pulver que possivelmente se tratasse de ratos. Posteriormente, confessou não saber qual a razão de tais rumores, para ela inexplicáveis.

A jovem Lucretia Pulver também testemunhou os fenômenos insólitos observados naquela casa.

Os Bells terminaram por mudar-se.

Em 1846, instalou-se ali a família Weekman: Sr. Michael Weekman, Sra. Hannah Weekman e suas filhas. Alguns dias após terem-se alojado na referida casa, passaram a ser perturbados por ruídos insólitos: batidas na porta da entrada, sem que ninguém visível o estivesse fazendo; passos de alguém andando na adega ou dentro de casa.

A família Weekman, como era de esperar-se, não permaneceu muito tempo naquela casa sinistra. Em fins de 1847 deixou-a vaga, saindo de lá definitivamente.

Desse modo, atingimos a data de 11 de dezembro de 1847, quando a referida casa passou a ser ocupada pela família Fox, conforme já mencionamos no início deste artigo.


A NOITE DAS PRIMEIRAS TRANSCOMUNICAÇÕES

Inicialmente os Fox não sofreram nenhum incômodo em sua nova residência. Entretanto, algum tempo depois, mais precisamente nos dois primeiros meses de 1848, os mesmos ruídos insólitos que perturbaram os antigos inquilinos voltaram a manifestar-se outra vez. Eram batidas leves, sons semelhantes aos arranhões nas paredes, assoalhos e móveis, os quais poderiam perfeitamente ser confundido com rumores naturais produzidos por vento, estalos do madeiramento, ratos, etc. Por isso a família Fox não deveria ter-se sentido molestada ou alarmada. Entretando, tais ruídos cresceram de intensidade, a partir de meados de março de 1848. Batidas mais nítidas e sons de arrastar de móveis começaram a fazer-se ouvir, pondo as meninas em sobressalto, ao ponto de negarem-se a dormir sozinhas no seu quarto, e passarem a querer dormir no quarto dos pais. A princípio os habitantes da casa, ainda incrédulos quanto à possível origem sobrenatural dos ruídos, levantavam-se e procuravam localizar a causas natural dos mesmos.

Na noite de 31 de março de 1848, desencadeou-se uma série de sons muito forte e continuados. Aí, então, deu-se o primeiro lance do fantástico episódio, que ficou como um marco inamovível na história da fenomenologia paranormal. A garota de sete anos de idade - a Kate Fox - em sua espontaneidade de criança teve a audácia de desafiar a "força invisível" a repetir, com os golpes, as palmas que ela batia com as mãos! A resposta foi imediata, a cada estalo um golpe era ouvido logo a seguir! Ali estava a prova de que a causa dos sons seria uma inteligência incorpórea. Para apreciar-se bem o sabor desta incrível aventura, vamos transcrever alguns trechos do depoimento da Sra. Margareth Fox.

"Na noite de sexta-feira, 31 de março de 1848, resolvemos ir para a cama um pouco mais cedo e não nos deixamos perturbar pelos barulhos; íamos ter uma noite de repouso. Meu marido que aqui estava em todas as ocasiões, ouviu os ruídos e ajudou a pesquisar. Naquela noite fomos cedo para a cama - apenas escurecera. Achava-me tal alquebrada e com falta de repouso que quase me sentia doente. Meu marido não tinha ido para a cama quando ouvimos o primeiro ruído naquela noite. Eu apenas me havia deitado. A coisa começou como de costume. Eu distinguia de qualquer outro ruído jamais ouvido. As meninas, que dormiam em outra cama no quarto, ouviram as batidas e procuraram fazer ruídos semelhantes, estalando os dedos. Minha filha menor, Kate, disse, batendo palmas: "Senhor Pé Rachado, Faça o que eu faço." Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margareth disse brincando: "Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro" e bateu palmas. Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve medo de repetir o ensaio. Então Kate disse, na simplicidade infantil: "Oh! mamãe! eu já sei o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma mentira."

"Então pensei em fazer um teste que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a exata idade de cada um, fazendo pausa de um para outro, a fim de separar, até o sétimo, depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo a idade do menor, que havia morrido.

"Então perguntei: Eh um ser humano que me responde tão corretamente? Não houve resposta. Perguntei: É um espírito? Se for, de duas batidas. Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse: Se for um espírito assassinado dê duas batidas. Essas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa. Pergutei: Foi assassinado nesta casa? A resposta foi como a precedente. A pessoa que o assassinou ainda vive? Resposta idêntica, por duas batidas. Pelo mesmo processo verifiquei que fora um homem que o assassinaram nesta casa e os seus despojos enterrados na adega; que a família era constituída de esposa e cinco filhos, dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois a esposa morrera. Então perguntei: Continuará a bater se chamarmos os vizinhos para que também escutem? A resposta afirmativa foi alta."

Desse modo foram chamados vários vizinhos, os quais por sua vez convocaram outros, de maneira que, mais tarde e nos dias subseqüentes, o número de curiosos era enorme. Naquela noite compareceram o Sr. Redfield, o Sr. e Sra. Duesler e os casais Hyde e Jewell.

"Mr. Duesler fez muitas perguntas e obteve as respostas. Em seguida indiquei vários vizinhos nos quais pude pensar, e perguntei se havia sido morto por algum deles, mas não obtive resposta. Após isso, Mr. Duesler fez perguntas e obteve as respostas. Perguntou: Foi assassinado? Resposta afirmativa. Seu assassino pode ser levado ao tribunal? Nenhuma resposta. Pode ser punido pela lei? Nenhuma resposta. A seguir disse: Se seu assassino não pode ser punido pela lei de sinais. As batidas foram ouvidas claramente. Pelo mesmo processo Mr. Duesler verificou que ele tinha sido assassinado no quarto do leste, a cinco anos passado, e que o assassínio fora cometido à meia noite de uma terça-feira, por Mr......; que fora morto com um golpe de faca de açougueiro na garganta; que o corpo havia sido enterrado; tinha passado pela dispensa, descido a escada e enterrado a dez pés abaixo do solo. Também foi constatado que o móvel fora dinheiro.

"Quanta a quantia: cem dólares? Nenhuma resposta. Duzentos? Trezentos? etc. Quando mencionou quinhentos dólares as batidas confirmaram.

"Foram chamados muitos dos vizinhos que estavam pescando no ribeirão. Estes ouviram as mesma perguntas e respostas. Alguns permaneceram em casa naquela noite. Eu e as meninas saímos. Meu marido ficou toda a noite com Mr. Redfield. No sábado seguinte a casa ficou superlotada. Durante o dia não se ouviram os sons, mas ao anoitecer recomeçaram. Diziam que mais de trezentas pessoas achavam-se presentes. No domingo os ruídos foram ouvidos o dia inteiro por todos quantos se achavam em casa".

Estes são os principais trechos do depoimento da Sra. Margareth Fox, que mais nos interessam para dar uma descrição viva dos acontecimentos de Hydesville, na sinistra noite de 31 de março de 1848.


AS ESCAVAÇÕES NA ADEGA

Os mais interessados em esclarecer o caso resolveram escavar a adega, visando encontrar os despojos do suposto assassinado. Eis que, através de combinação alfabética com as pancadas produzidas, chegaram à identidade da vítima. Tratava-se de um mascate de nome Charles B. Rosma, o qual tinha trinta e um anos quando, há quatro anos passado, fora assassinado naquela casa e enterrado na adega. O assassino fora um antigo inquilino. Só poderia ter sido o Sr. Bell... Mas onde a prova do fato, o cadáver da vítima? A solução seria procurá-lo na adega, onde estaria enterrado.

As escavações, porém, não levaram a resultados definitivos, pois deram n'água, sem que se tivessem encontrado quaisquer indício. Por essa razão foram suspensas.

No verão de 1848, o próprio Sr. David Fox auxiliado por alguns interessados retomou o empreendimento. A uma profundidade de um metro e meio, encontraram uma tábua. Aprofundada a cova, encontraram o carvão, cal, cabelos e alguns fragmentos de ossos que foram reconhecidos por um médico como pertencentes a esqueleto humano; mais nada.

As provas do crime eram precárias e insuficientes, razão talvez pela qual o Sr. Bell não foi denunciado.


A DESCOBERTA DO ESQUELETO

Em o número de 23 de novembro de 1904, do Boston Journal, foi notificada a descoberta do esqueleto de um homem cujo Espírito se supunha ter ocasionado os fenômenos na casa da família Fox em 1848. Meninos de uma escola achavam-se brincado na adega da casa onde moravam os Fox. A casa tinha fama de ser mal-assombrada. Em meio aos escombros de uma parede - talvez falsa - que existira na adega, os garotos encontraram as peças de um esqueleto humano.

Junto ao esqueleto foi achada uma lata de uma espécie costumeira usada por mascates. Esta lata encontra-se agora em Lilydale, a sede central regional dos Espiritualistas Americanos, para onde foi transportada a velha casa de Hydesville.

Como pode ver-se, cinquenta e seis anos depois, em 22 de novembro de 1904 (data do encontro do esqueleto do mascate), parece não haver dúvida de que foram confirmadas as informações obtidas em 1848 a respeito do crime ocorrido naquela casa. Este episódio constitui-se em um notável caso de TCD (transcomunicação direta). As evidências são muito fortes.


O MOVIMENTO ESPALHA-SE

As duas garotas, Margareth e Kate, foram afastadas de sua casa, pois suspeitava-se que os fenômenos eram ligados sobretudo à sua presença. Margareth passou a morar com seu irmão David Fox. A Kate mudou-se para Rochester, onde ficou em casa de sua irmã Leah, então casada e agora Sra. Fish. Entretanto, os ruídos insistiam em acompanhar as irmãs Fox; onde elas se achavam, ocorriam os fenômenos. Parece que agora se observava uma espécie de contágio, pois, Leah Fish, a irmã mais velha, passou a apresentar também os mesmos fenômenos. Logo mais, começaram a surgir em outras famílias:

"Era como uma nuvém psíquica, descendo do alto e se mostrando nas pessoas suscetíveis. Sons idênticos foram ouvidos em casa do Rev. A.H.Jervis, ministro metodista residente em Rochester. Poderosos fenômenos físicos irromperam na família do Diacono Hale, de Greece, cidade vizinha de Rochester. Pouco depois Mrs. Sarah A. Tamlin e Mrs. Benedict de Auburn, desenvolveram notável mediunidade (...)".

O movimento espalhar-se-ia, mais tarde, pelo mundo, conforme fora afirmado em uma das primeiras comunicações através das irmãs Fox. As próprias forças invisíveis insistiram para que se fizessem reuniões públicas onde elas pudessem manifestar-se ostensivamente. Era uma nova mensagem que vinha do mundo dos Espíritos, conclamando os homens para uma outra posição filosófico-religiosa.


"SPIRITUALISMO" E ESPIRITISMO

A "Onda Espiritualista" passou da América para a Europa, cujo terreno já se encontrava preparado pelo desenvolvimento científico, e onde os fenômenos de TC (transcomunicação) iriam ser estudados mais tarde, com rigor e profundidade pelos fundadores da "Psychical Reserch" e da Metapsiquica.

A forma bastante comum sob a qual a manifestações de TC (transcomunicação) se apresentaram na Europa, foi a das "mesas girantes". Vamos focalizar mais adiante e resumidamente esse período, do qual tambem se originou o Espiritismo na França, gracas às investigações científicas e ao método didático do ilustre intelectual lionês, Denizard Hypplite Leon Rivail (Allan Kardec).

Nunca é supérfluo enfatizar que não se deve confundir o "Spiritualism" com o espiritismo. O primeiro nasceu como um movimento popular, provocado por evidências a favor da crença na existência, sobrevivência e comunicabilidade do Espírito. Posteriormente o "Spiritualism"adquiriu a forma de um religiao organizada que aspira, também, ser uma Ciência e uma Filosofia.

Agora, um ponto importante: o "Spiritualism" não incorporou a idéia da reencarnação. Ele admite apenas a continuidade da vida após a morte, sem inferno ou céu, porém em contínuo aprendizado e evolução no "Mundo Espiritual".

Há algumas diferenças entre os princípios básicos do "Spiritualismo" e do Espiritismo. A mais profunda é a questão da "reencarnação". O Espiritismo não só aceita o renascimento, como admite a Lei do Carma, considerando serem estes os fatores naturais da evolução do Espírito. Embora Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita, considere Sócrates e Platão como os precursores da idéia cristã e do Espiritismo, a sua atenção para a realidade da comunicação dos Espíritos foi despertada pelo fenômeno das "mesas girantes".


REPERCUSSÃO ENTRE INTELECTUAIS

A partir do episódio das irmãs Fox, a transcomunicação, aqui no ocidente, passou atrair a atencao de um pequeno grupo de cientistas. Inicialmente, tais investigadores achavam-se, em sua maioria, imbuidos de forte cepticismo acerca do fenômenos paranormais que passaram a ganhar popularidade inusitada na Europa. Somente a curiosidade diante da estranheza de tais ocorrências conseguiu levar esses poucos cientistas a observá-las. Logo no começo da fase, as pesquisas conduziram à formação de três categorias de pessoas, conforme suas opiniões acerca da natureza dos referidos fenômenos.

O primeiro grupo consistiu nos que viram nesses fatos uma confirmação de suas crencas na sobrevivência, na comunicabilidade e progresso dos Espíritos. A natureza do homem, para eles, era dual, e continha um componente espiritual além do material. Desta interpretação, surgiu um aspecto religioso como decorrência imediata do reconhecimento da natureza espiritual da criatura humana. O "Spiritualism", na Inglaterra, e o Espiritismo, na França, são exemplos dessa interpretação, embora ambos reivindiquem, também, para suas doutrinas, os aspectos filosóficos e científicos.

Um segundo grupo constituiu-se, em sua maioria, por cidadãos de acentuado interesse científico. Alguns já eram cientistas profissionais, professores e investigadores em diversas áreas de conhecimento teórico e prático. Outros, com títulos e formação superior, embora nao especialistas em disciplinas científicas, sentiram-se também interessados em investigar de maneira racional os referidos fatos, denominados, na época, "fenômenos psiquicos". Daí a designação usual desta atividade: "Psychical Research" (Pesquisa Psiquica). Na França, Charles Richet deu-lhe outro nome: "Metapsiquica".

No segundo grupo, figuravam, indistintamente, os espiritualistas, os indiferentes e os materialistas. Apenas os seguintes objetivos pareciam movê-los: confirmar ou negar os propalados fenômenos e, no caso afirmativo, descibrir a sua real causa eficiente.

Finalmente, um terceiro grupo, compreendendo a maioria dos interessados, colocou-se em franco antagonismo relativamente aos dois primeiros. Compunha-se de cientistas, intelectuais em geral, jornalistas e pessoas comuns. Alguns eram fieis ou chefes de religiões instituídas. Grande número desses cidadãos, especialmente os intelectuais, achava-se impregnado de filosofias materialistas e havia absorvido as ideias positivistas. Revelaram-se profundamente céticos e procuraram liquidar com a crença nos aludidos fenômenos. Para eles, os fenômenos paranormais eram manifestações de superstição, ilusões e fraudes, ou alienação mental. Para alguns religiosos, poderiam ser armadilhas do "demônio", ou tentativas de indivíduos mal intencionados que visavam abalar as bases das religiões tradicionais. Outros chegavam a acreditar que se tratava da revivescencia da Magia e do Ocultismo, numa tentativa de dominio de opinião pública.


CONCLUSÃO

Foi neste clima que se desenrolaram as dramáticas transcomunicações, cuja iniciativa, ao que parece, partiu do Plano Espiritual. As manifestações mais em evidência foram as chamadas "Mesas Girantes". Este episódio inaugurou o Período Espíritico, conforme a classificação de Charles Richet. Segundo este sábio, tal período vai das irmãs Fox ate as pesquisas de Sir Willian Crookes, em 1872.

Fonte: Jornal "Folha Espírita" de outubro de 1995







quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

MÃOS ENFERRUJADAS


MÃOS ENFERRUJADAS



Quando Joaquim Sucupira abandonou o corpo, depois dos sessenta anos, deixou-nos conhecidos a impressão de que subiria incontinenti aos Céus. Vivera arredado do mundo, no conforto precioso que herdara dos pais. Falava pouco, andava menos, agia nunca.

Era visto invariavelmente em trajes impecáveis. A gravata ostentava sempre uma pérola de alto preço, pequena orquídea assinalava a lapela e o lenço, admiravelmente dobrado, caía, irrepreensível, do bolso mirim. O rosto denunciava-lhe o apurado culto às madeiras distintas. Buscava, no barbeiro cuidadoso cada manhã, renovada expressão juvenil. Os cabelos bem postos, embora escassos, cobriam-lhe o crânio com o esmero possível.

Dizia-se cristão e, realmente, se vivia isolado, não fazia mal sequer a uma formiga.

Assegurava, porém, o pavor que o possuía, ante os religiosos de todos os matizes.

Detestava os padrões católicos, criticava as organizações protestantes e categorizava os espiritistas no rol dos loucos. Aceitava Jesus a seu modo, não segundo o próprio Jesus.

As facilidades econômicas transitórias adiavam-lhe as lições benfeitoras do concurso fraterno, no campo da vida.

Estudava, estudava, estudava...

E cada vez mais se convencia de que as melhores diretrizes eram as dele mesmo.

Afastamento individual para evitar complicações e desgostos. Admitia, sem rebuços, que assim efetuaria preparação adequada para a existência depois do sepulcro. Em vista disso, a desencarnação de homem tão cauteloso em preservar-se, passaria por viagem sem escalas com o destino à Corte Celeste.

Dava aos familiares dinheiro suficiente para aventuras e fantasias, a fim de não ser incomodado por eles; distribuía esmolas vultuosas, para que os problemas de caridade não lhe visitassem o lar; afastava-se do mundo para não pecar. Não seria Joaquim - perguntavam amigos íntimos - o tipo religioso perfeito? Distante de todas as complicações da experiência humana, pela força da fortuna sólida que herdara dos parentes, seria impossível que não conquistasse o paraíso.

Contudo, a responsabilidade que o defrontava agora não correspondia à expectativa geral.

Sucupira, desencarnado, ingressava numa esfera de ação, dentro da qual parecia não ser percebido pelos grandes servidores celestiais. Via-os em movimentação brilhante, nos campos e nas cidades. Segredavam ordens divinas aos ouvidos de todas as pessoas em serviços dignos. Chegara a ver um anjo singularmente abraçado à velha cozinheira analfabeta.

Em se aproximando, todavia, dos Mensageiros do Céu, não era por eles atendido.



Conseguia andar, ver, ouvir, pensar. No entanto - desventurado Joaquim! - as mãos e os braços mantinham-se inertes. Semelhavam-se a antenas de mármore, irremediavelmente ligadas ao corpo espiritual. Se intentava matar a sede ou a fome, obrigava-se a cair de bruços porque não dispunha de mãos amigas que o ajudassem.

Muito tempo suportara semelhante infortúnio, multiplicando apelos e lágrimas, quando foi conduzido por entidade caridosa a pequeno tribunal de socorro, que funcionava de tempos em tempos, nas regiões inferiores onde vivia compungido.

O benfeitor que desempenhava ali funções de juiz, reunida a assembléia de Espíritos penitentes, declarou não contar com muito tempo, em face das obrigações que o prendiam nos círculos mais altos e que viera até ali somente para liquidar casos mais dolorosos e urgentes.

Devotados companheiros do bem selecionavam a meia dúzia de sofredores que poderiam ser ouvidos, dentre os quais, por último, figurou Sucupira, a exibir os braços petrificados.

Chorou, rogou, lamuriou-se. Quando pareceu disposto a fazer o relatório geral e circunstanciado da existência finda, o julgador obtemperou:

- Não, meu amigo, não trate de sua biografia. O tempo é curto. Vamos ao que interessa.

Examinou-o detidamente e observou, passados alguns instantes:

- Sua maravilhosa acuidade mental demonstra que estudou muitíssimo.

Fez pequeno intervalo e entrou a argüir:

- Joaquim, você era casado?

- Sim.

- Zelava a residência?

- Minha mulher cuida de tudo.

- Foi pai?

- Sim.

- Cuidava dos filhos em pequeninos?

- Tínhamos suficiente número de criadas e amas.

- E quando jovens?

- Eram naturalmente entregues aos professores.

- Exerceu alguma profissão útil?

- Não tinha necessidade de trabalhar para ganhar o pão.

- Nunca sofreu dor de cabeça pelos amigos?

- Sempre fugi, receoso, das amizades. Não queria prejudicar, nem ser prejudicado.

O julgador interrompeu-se, refletiu longamente e prosseguiu:

- Você adotou alguma religião?

- Sim, eu era cristão - esclareceu Sucupira.

- Ajudava os católicos?

- Não. Detestava os sacerdotes.

- Cooperava com as Igrejas reformadas?

- De modo algum. São excessivamente intolerantes.

- Acompanhava os espíritas?

- Não. Temia-lhes presença.

- Amparou doentes, em nome de Cristo?

- A terra tem numerosos enfermeiros.

- Auxiliou criancinhas abandonadas?

- Há creches por toda parte.

- Escreveu alguma página consoladora?

- Para quê? O mundo está cheio de livros e escritores.

- Utilizava o martelo ou o pincel?

- Absolutamente.

- Socorreu animais desprotegidos?

- Não.

- Agradava-lhe cultivar a terra?

- Nunca.

- Plantou árvores benfeitoras?

- Também não.

- Dedicou-se ao serviço de condução das águas, protegendo paisagens empobrecidas?

Sucupira fez um gesto de desdém e informou:

- Jamais pensei nisto.

O instrutor indagou-lhe sobre todas as atividades dignas conhecidas no Planeta. Ao fim do interrogatório, opinou sem delongas:

- Seu caso explica-se: você tem as mãos enferrujadas.

Ante à careta do interlocutor amargurado, esclareceu:

- É o talento não usado, meu amigo. Seu remédio é regressar à lição. Repita o curso terrestre.

Joaquim, confundido, desejava mais amplas elucidações.

O juiz, porém, sem tempo de ouvi-lo, entregou-o aos cuidados de outro companheiro.

Rogério, carioca desencarnado, tipo 1945, recebeu-o de semblante amável e feliz, após escutar-lhe compridas lamentações, convidou, pacientemente:

- Vamos, Sucupira. Você entrará na fila em breves dias.

- Fila? - interrogou o infeliz, boquiaberto.

- Sim - acrescentou o alegre ajudante -, na fila da reencarnação.

E, puxando o paralítico pelos ombros, concluía, sorrindo:

- O que você precisa, Joaquim é de movimentação.
 
Humberto de Campos - Irmão X

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

DOS MÉDIUNS.


DOS MÉDIUNS.

33. Os médiuns são as pessoas aptas a receberem a influência dos Espíritos e transmitirem os seus pensamentos.

Toda pessoa que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Essa faculdade é inerente ao homem, e, por conseguinte, não é, de nenhum modo, um privilégio exclusivo: também há poucos nos quais não se lhe encontra algum rudimento. Pode-se, pois, dizer que todo o mundo, com pequena diferença, é médium; todavia, no uso, essa qualificação não se aplica senão naqueles nos quais a faculdade mediúnica se manifesta por efeitos ostensivos de uma certa intensidade.

34. O fluido perispiritual é o agente de todos os fenômenos espíritas; esses fenômenos não podem se operar senão pela ação recíproca dos fluidos emitidos pelo médium e pelo Espírito. O desenvolvimento da faculdade mediúnica prende-se à natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium e à sua assimilação, mais ou menos fácil, com o dos Espíritos; prende-se, por conseqüência, ao organismo, e pode ser desenvolvida quando o princípio existe, mas não pode ser adquirida quando esse princípio não existe. A predisposição mediúnica é independente do sexo, da idade e do temperamento; encontram-se médiuns em todas as categorias de indivíduos, desde a mais tenra idade, até a mais avançada.

35. As relações entre os Espíritos e os médiuns se estabelecem por meio de seu perispírito; a facilidade dessas relações depende do grau de afinidade que existe entre os dois fluidos; alguns há que se assimilam facilmente e outros que se repelem; de onde se segue que não basta ser médium para se comunicar indistintamente com todos os Espíritos; há médiuns que não podem se comunicar senão com certos Espíritos, ou com certas categorias de Espíritos, e outros que não o podem senão por uma transmissão de pensamento, sem nenhuma manifestação exterior.

36. Pela assimilação dos fluidos perispirituais, o Espírito se identifica, por assim dizer, com a pessoa que quer influenciar; não somente lhe transmite o seu pensamento, mas pode exercer sobre ela uma ação física, fazê-la agir ou falar à sua vontade, fazê-la dizer o que não quer; em uma palavra, servir-se de seus órgãos como se fossem os seus; pode, enfim, neutralizar a ação de seu próprio Espírito e paralisar-lhe o livre arbítrio. Os bons Espíritos se servem dessa influência para o bem, e os maus Espíritos para o mal.

37. Os Espíritos podem se manifestar de uma infinidade de maneiras diferentes, e não o podem senão com a condição de encontrarem uma pessoa apta a receber e a transmitir tal ou tal gênero de impressão, segundo a sua aptidão; ora, como não há nenhuma delas possuindo todas as aptidões no mesmo grau, disso resulta que umas obtêm efeitos impossíveis para as outras. Essa diversidade na aptidão produz diferentes variedades de médiuns.

38. A vontade do médium, de nenhum modo, é sempre necessária; o Espírito que quer se manifestar procura o indivíduo apto a receber a sua impressão, e dele se serve, freqüentemente, com o seu desconhecimento; outras pessoas, ao contrário, tendo a consciência de sua faculdade, podem provocar certas manifestações; daí duas categorias de médiuns: os médiuns inconscientes e os médiuns facultativos.

No primeiro caso, a iniciativa vem do Espírito: no segundo, vem do médium.

39. Os médiuns facultativos não se encontram senão entre as pessoas que têm um conhecimento mais ou menos completo dos meios de se comunicar com os Espíritos, e podem assim ter a vontade de se servirem de suas faculdades; os médiuns inconscientes, ao contrário, se encontram entre aqueles que não têm nenhuma idéia nem do Espiritismo, nem dos Espíritos, mesmo entre os mais incrédulos, e que servem de instrumento sem o saberem e sem o quererem. Todos os gêneros de fenômenos espíritas podem se produzir pela sua influência, e foram encontrados em todas as épocas e entre todos os povos. O ignorância e a credulidade lhes atribuíram um poder sobrenatural, e, segundo os lugares e os tempos, deles fizeram santos, feiticeiros, loucos ou visionários; o Espiritismo nos mostra neles a simples manifestação espontânea de uma faculdade natural.

40. Entre as diferentes variedades de médiuns, distinguem-se principalmente: os médiuns de efeitos físicos; os médiuns sensitivos ou impressionáveis; os médiuns audientes, falantes, videntes, inspirados, sonâmbulos, curadores, escreventes ou psicógrafos, etc.; não descreveremos aqui senão os mais essenciais (1).

(1) Para os detalhes completos, ver O Livro dos Médiuns.



Obras Póstumas, de ALLAN KARDEC

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Os primeiros cristãos


Cristo Redentor RJ


Os primeiros cristãos

Foi à obrigação lógica de explicar a ação da alma sobre oinvólucro físico que cederam os primeiros cristãos, acreditando naexistência de uma substância mediadora. Aliás, não se compreende que o espírito seja puramente imaterial, porquanto, então, nenhum ponto de contacto o teria com a matéria física e não poderia existir, desde que deixasse de estar individualizado num corpo terrestre.

No conjunto das coisas, o indivíduo é sempre determinado pelassuas relações com outros seres; no espaço, pela forma corpórea; no tempo, pela memória.

O grande apóstolo S. Paulo fala várias vezes de um corpoespiritual (22), imponderável, incorruptível, e Orígenes, em seusComentários sobre o Novo Testamento, afirma que esse corpo,dotado de uma virtude plástica, acompanha a alma em todas as suas existências e em todas as suas peregrinações, para penetrar e os corpos mais ou menos grosseiros e materiais que ela reveste e que lhe são necessários no exercício de suas diversas vidas.

Eis aqui, segundo Pezzani, as opiniões de alguns Pais da Igrejasobre esta questão. (23)

Orígenes e os Pais alexandrinos, que sustentavam um a certeza,os outros a possibilidade de novas provas após a provação terrena,propunham a si mesmos a questão de saber qual o corpo queressuscitaria no juízo final. Resolveram-na, atribuindo a ressurreição apenas ao corpo espiritual, como o fizeram S. Paulo e, mais tarde, o próprio Santo Agostinho, figurando como incorruptíveis, finos, tênues e soberanamente ágeis os corpos dos eleitos. (24)

Então, uma vez que esse corpo espiritual, companheiroinseparável da alma, representava, pela sua substânciaquintessencíada, todos os outros envoltórios grosseiros, que a alma pudera ter revestido temporariamente e que entregara aoapodrecimento e aos vermes nos mundos por onde passara; uma vez que esse corpo havia impregnado de sua energia todas as matérias para um uso limitado e transitório, o dogma da ressurreição da carne substancial recebia, dessa concepção sublime, brilhante confirmação. Concebido desse modo, o corpo espiritual representava todos os outros que somente mereciam o nome de corpo pela sua adjunção ao princípio vivificante da carne real, isto é, ao que os espíritas denominaram perispírito. (25)

Diz Tertullano (26) que os anjos têm um corpo que lhes épróprio e que, como lhes é possível transfigurá-lo em carne humana, eles podem, por um certo tempo, fazer-se visíveis aos homens e comunicar-se com estes visivelmente. Da mesma maneira fala S. Basílio. Se bem haja ele dito algures que os anjos carecem de corpo, no tratado que escreveu sobre o Espírito Santo, avança que os anjos se tornam visíveis pela espécie de corpo que possuem, aparecendo aos que de tal coisa são dignos.

Nada há na criação, ensina Santo Hilário, que não seja corporal,quer se trate de coisas visíveis, quer de coisas invisíveis. As próprias almas, estejam ou não ligadas a um corpo, têm uma substância corpórea inerente à natureza delas, pela razão de que é necessário que toda coisa esteja nalguma coisa. Só Deus sendo incorpóreo, segundo S. Cirino de Alexandria, só ele não pode estar circunscrito, enquanto que todas as criaturas o podem, ainda que seus corpos não se assemelhem aos nossos. Mesmo que os demônios sejam chamados animais aéreos, como lhes chama Apuleio, sê-lo-ão no sentido em que falava o grande bispo de Hipona, porque eles têm natureza corpórea, sendo uns e outros da mesma essência. (27)

S. Gregório, por seu lado, chama ao anjo um animal racional(28) e S. Bernardo nos dirige estas palavras: Unicamente a Deusatribuamos a imortalidade, bem como a imaterialidade, porquanto só a sua natureza não precisa, nem para si mesma, nem para outrem, do auxilio de um instrumento corpóreo (29). Essa era também, de certo modo, a opinião do grande Ambrósio de Milão, que a expunha nestes termos:

Não imaginemos haja algum ser isento de matéria na suacomposição, exceto, única e exclusivamente, a substância daadorável Trindade. (30)

O mestre das sentenças, Pedro Lombardo, deixava em aberto aquestão; esposava, contudo, esta opinião de Santo Agostinho:

Os anjos devem ter um corpo, ao qual, entretanto, não seacharas sujeitos, corpo que eles, ao contrário, governam, por lhesestar submetido, transformando-o e imprimindo-lhe as formas quelhe queiram dar, para torná-lo apropriado aos atos deles.



GABRIEL DELANNE

A ALMA É IMORTAL



(22) Epistola aos Corintios, cap. XV, v. 44.
(23) Pezzani - A Verdade (jornal, de 5 de abril de 1863).
(24) Santo Agostinho -Manual, cap. XXVI.
(25) Bourdeau - O problema da morte, págs. 36 e seguintes e 62e seguintes.
(26) Tertuliano - De carne Cristi, cap. VI.
(27) Santo Agostinho
(28) Santo Agostinho
(29) Sup. Quantie - Homilia X.
(30) Abraham - t. II, cap. XIII, no 58.